domingo, 22 de agosto de 2010

A BAILARINA



















A BAILARINA

A bailarina voava em meio aos aplausos. Subia e descia em arabescos de movimentos delicados. Como era linda a sua pele! Nenhum possível movimento poderia ser mais belo como os que ela criava com tanta inocência.
Meu peito pulava todas as noites pelo simples prazer em observá-la!
Mas tão linda criatura já deveria ter entregue seu coração ao mais belo rapaz! Que pena! O que eu, pobre coitado, poderia conseguir? Somente olhá-la, sorvê-la, acreditá-la.
Um dia, ao final do último espetáculo, resolvi buscar-lhe a palavra, somente para transmitir-lhe minha admiração. Coragem é algo que se carrega ou não. Em meu caso, nunca soube o que é ter o peso de tamanha iguaria. Minhas mãos suadas perdiam espaço para a garganta seca. Enfim, como sempre, não consegui encontrá-la. Ela nunca soube, nunca soube o amor que me despertara. A alegria de ver-lhe durante meses, todos os dias, me fez sentir o que realmente sou, minha essência, minha metade. A coragem me faltou, mas, até hoje, a bailarina ainda não me falta.
Soube, depois de algum tempo, que contraiu uma doença degenerativa. Aquela sílfide linda, perdera os movimentos e nunca mais dançou nos ares. Perdeu a memória e sofreu uma vida de ausências.
Hoje, meus remorsos de não dizer-lhe sobre meu amor, me corroem e afastam das lembranças alegres. Soube também por intermédio de um dos funcionários do teatro, que a linda bailarina havia perguntado quem era o fino e elegante moço que todas as noites sentava no mesmo lugar e aplaudia os espetáculos em pé.
Ela me viu. Ela me sentiu.
Eu não tive coragem.
E ela se perdeu sem saber que eu me perdi por ela.

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"As canções que canto, ele as vive em sofrimento. As histórias com que me alegro são as de sua dor. O Amor é mesmo maravilhoso. É mais precioso que os diamantes e mais estimado que a mais fina opala. Pérolas e romãs não podem comprá-lo, nem se pode encontrá-lo nos mercados. Os comerciantes não o vendem e a balança não é capaz de medir seu peso em ouro."

(o Rouxinol e a Rosa - Oscar Wilde)

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Eu escrevi "A Bailarina" em 2006. Ando vasculhando minhas coisas ultimamente e tenho encontrado vários escritos. Eu sonhei com a bailarina uma vez. No dia seguinte escrevi. Estranho como algumas coisas que escrevo me vêm em sonho primeiro. Acordo com a ideia na cabeça e não sossego enquanto não a escrevo. Mas a maioria do que já escrevi guardo para mim. Não consigo imaginar que alguém possa ler. Talvez vergonha. Talvez medo. Não sei. Escrevo como se meus pensamentos se costurassem às palavras. Porém, eles se desmancham com a hipótese da plateia. Queria ser como a bailarina. Às vezes, fecho os olhos e sei que sou ela. Sou ela esperando alguém. Que me vê, que me ama, mas que precisa ter coragem. Eu continuo dançando com as palavras...
Dançando até fechar os olhos para sempre.

Um comentário:

Marcelo disse...

Os sonhos são valiosos...é aconselhavel ter sempre papel e lápis proximo a cama para registramos o que lembramos do sonho que acordamos...alguns tem mensagens claras outros cifradas que um dia serão úteis...a bailarina que você escreveu é linda...a sua narrativa tá leve, mas não por falta de profundidade, quero dizer leve como a saia da bailarina que rodopia...Outro dia assisti ao Fabricio Carpinejar no Jô lembrei - me na hora de vc...a primeira vez que lí algo dele foi em seu blog...NUNCA MAIS VC ME VISITOU...purquê?

beijos querida