sábado, 7 de agosto de 2010

Hoje é 7 de agosto.



















Tenho várias lembranças de minha infância, algumas suaves outras nem tanto assim. Quando tinha uns cinco ou seis anos, lembro-me de um ritual quase artístico que fazia todas as manhãs quando ia à escola. No percurso, em frente à uma casa de portão verde e grandes cadeiras brancas, havia um monte de areia na calçada. Todos os dias que que passava por ali, fazia questão de subir e marcá-lo com meu tênis azul. Mesmo contrariando o adulto que me acompanhava, às vezes minha irmã mais velha ou minha mãe, praticava religiosamente a mesma brincadeira. Perguntava-me por que aquele monte de areia continuava ali sem que ninguém o usasse. Não havia vestígios de nenhuma construção ou qualquer outra serventia para ele. Mas eu não me importava. Era meu por alguns segundos das minhas manhãs. Foi muito triste quando tive de mudar de escola, pois o caminho que faria seria outro e não passaria mais por ali. Fiquei pensando se haveriam outros montes de areia para eu passar e deixar minhas marcas. Não houveram outros montes.Depois de muito tempo passei em frente à casa de portões verdes que sustentava uma grande placa "Vende-se". Na rua todos se conheciam e minha mãe quis saber o porquê da placa, pois uma senhora morava ali há muitos anos. Uma vizinha atenciosa informou que a velhinha havia morrido e que os filhos queriam vendê-la. Comentei minha tristeza e as lembranças de minhas brincadeiras na calçada da casa. A senhora me sorriu e me fez uma pergunta que até hoje não esqueci: "Então é você a menininha que brincava na areia?". Respondi que sim. A vizinha sempre perguntara à velhinha por que não retirara aquele monte de areia já que não iria usar para nada, pois a reforma que tinha feito acabara há tempos. Prontamente ela respondia que não queria magoar a menininha que brincava todas as manhãs na sua calçada. Eu nunca ouvi uma palavra da velhinha e nunca pude agradecer-lhe a intensa lembrança que me proporcionou na infância mas, ainda hoje, quando vejo montes de areia, me lembro dela e me pergunto se faria tal coisa para alguém que nem conheço. Às vezes, a vida nos coloca de cabeça para baixo, para que possamos aprender a viver de cabeça para cima. Tenho tanta saudade do monte de areia. Tenho tanta saudade da época em que era tão simples deixar minhas marcas. Eu penso na velhinha. Ela nem me conhecia. Eu espero tanto - porém, provavelmente, será uma espera apenas. Dói sentir a solidão por alguém que sempre vai embora. Eu acho que se a velhinha me visse sofrendo assim ela teria me dito que o monte de areia foi em vão. Ela só o deixava lá pra me fazer feliz e eu - e eu - não a tenho retribuído. Eu sofro. Eu choro. Eu espero o que não vem. Eu desejo o que não vem. Eu amo o que não vem. Eu moveria o mundo por você - com você. Mas hoje - especialmente hoje - eu não faço parte da sua vida. Talvez nunca faça. Desculpe querida amiga que se foi. Desculpe, porque se você me visse escrevendo hoje - triste como estou - talvez não tivesse deixado o monte de areia para mim. Desculpe e obrigada.

2 comentários:

Anônimo disse...

Drika, coragem menina! O que espera que já não está em ti? Quais marcas deixarias além de tudo que és? A velhinha vive em ti e assim também nós a conhecemos um pouco agora. Como o monte de areia que você estranhava, tudo que há ao nosso alcance é estranho mas pode ser que esteja mesmo ali para nós deixarmos pegadas. Coragem! Você já disse não para a alegria boba... Coragem para a alegria da menina que deixa pegadas nas coisas estranhas. Você já honra esta senhora que ainda hoje olha por ti e honra o que há em ti e também honra o pouco de ti em todos nós... Beijos com carinho!

Marcelo disse...

Drika, ela deixou aquele monte porque sabia que quando crescemos nem sempre estaremos felizes...os momentos tristes angustiantes são desertos pessoais e estas lembranças o oásis...e você sabe a sensação que este monte de areia propicia..feche os olhos e sinta - o...ele é real...apenas o tempo é que andou mais rápido...a paisagem do seu trem quem faz é você...grande beijo!

ah a música do post anterior me fez lembrar o filme Love Story