O MEDO SE ESCONDEU DA
CORAGEM!
As pessoas grandes nunca poderiam entender.
Era o que eu sempre repetia.
Estranho! Mas eram meus pais que diziam:
_Paulinho, isso não é lugar para criança. É
escuro. É molhado, pega gripe. Não vá atravessar a rua. Você é pequeno demais.
Alguém te leva embora. Criança levada barata vem comer de noite. Volte aqui
senão o bicho-papão te pega.
Se toda criança vem ao mundo para um dia
ser gente grande...isso eu não entendo!
Gente grande não deveria ter medo. Mas é
gente grande que põe medo em criança!!!
E eu fui vivendo no meu mundo do medo.
Apertado. Escondido da coragem. Nem sabia se ela existia mesmo. Via na
televisão. Nos filmes. Queria conhecer. Mas como eu poderia acreditar mais em
histórias do que em gente grande?
Minha história começou desde a barriga da
minha mãe. Mas antes eu vou me apresentar.
Eu sou o Paulinho.
Todo
mundo falava quando eu nasci:
_ Nossa, esse aí, coitadinho. Não vai muito
longe. Tão fraquinho.
Nasci antes da hora. Acho que porque eu sou
apressado mesmo. Minha mãe me contou que eu era tão pequeno, mas tão pequeno
que cabia numa caixinha de sapato.
E ela tinha muito medo. Medo de me ver
doente e eu ficar assim, pequenininho ou diferente das outras crianças.
Mas ninguém é igual a ninguém mesmo!
E eu já não sabia se o medo era da minha
mãe, do meu pai ou era meu mesmo.
Meu pai também tinha medo.
Vivia bravo com a minha mãe.
_ E se o dinheiro não sobrar para o final
do mês?
Eu não entendo para o que serve o dinheiro.
As pessoas, às vezes, brigam por causa
dele. Acho que isso é medo também.
Só sei que cresci sem saber de quem era o
medo. Mas ele estava ali, bem perto de mim! Espiando minha vida.
Aranha
embaixo da cama. Medo!!!
Quando acaba a energia e ninguém acha uma
vela em casa.
Filmes de gente gritando.
Fantasmas. Nunca vi nenhum. Nem sei se existem.
Mas escutei por aí, então, tenho medo.
Roda gigante.
Pula-pula.
Andar de avião. Meu pai falou que nunca
terá dinheiro para viajar de avião, mas eu tenho medo mesmo assim.
De ficar sozinho. Nunca fiquei.
Do meu primeiro dia na escola.
De gente que não conheço.
De bicho. Qualquer um.
Do homem da mochila. Minha mãe vive falando
que ele me pega se eu não obedecer.
E meus medos foram ficando cada vez
maiores.
Perdidos num cantinho chamado coração.
Eu
até tentava disfarçar, mas não tinha jeito. Dizia para minha mãe:
_ Mãe, eu não tenho medo. Pode deixar
comigo.
E era só eu apagar a luz, sozinho, para
começar a gritar e a correr.
Ou então, falava para meu amigo Felipe:
_Eu vou te provar, não tenho mais medo.
E a bola ia pipocando longe no campinho.
Essa não! Eu que não ia pegar. Todo mundo ria de mim, menos o Felipe. Esse sim
era corajoso. Não tinha medo de nada. Eu via nos olhos dele que ele queria me
ajudar.
Mas como?
O medo grudou em mim feito aquela bala
estica-e-puxa que cola no dente da gente.
Mas tudo isso estava para mudar. E
aconteceu tão de repente que o senhor medo nem conseguiu acreditar.
A chuva batia forte na janela. Isso
também me assustava. Mas eu sabia bem lá no fundo que chuva era boa. Só que
fazia muito barulho.
A mamãe logo gritava de longe:
_Paulinho, calce os chinelos, você vai pegar um resfriado!
Eu não gostava quando ela gritava de longe. Meus cabelos que eram enrolados na ponta quase
ficavam lisos de medo. Minhas bochechas rosadas perdiam a cor. Não gosto das
minhas bochechas. Gente grande adora apertar e beijar criança que tem
bochechas rosadas. Eu até gostava no começo. Claro, antes de ver a cara feia
da minha mãe. Ela dizia que podia pegar doença quando alguém beija a gente
assim de supetão.
Beijo é bom. Não devia dar medo também.
Aquela noite seria a maior noite da minha vida. Tudo mudaria.
Eu não seria mais o Paulinho medroso e sim o Corajoso.
Já estava quase na hora de dormir.
Dei boa-noite aos meus pais e fui para a cama. Claro que minha mãe me levou
até o quarto. Fizemos as orações como sempre e ela foi embora. Pedi para não
ter medo, dormir logo e não sonhar. Não gostava de sonhar. E se um monstro
aparecesse nos meus sonhos?
Gostava mesmo era de deitar e só acordar no outro dia. Assim, num
piscar de olhos.
Mas essa noite estava difícil. O senhor trovão e o senhor relâmpago
estavam bravos.
E foi num pedacinho de tempo que um clarão iluminou minha janela. E eu
vi.
Um rosto estranho. Uma máscara só deixava os olhos de fora. Era o
próprio medo.
_ E é mesmo Paulinho __ uma voz de gente grande que eu não conhecia
falou de dentro do meu quarto. Eu me afundei mais ainda no cobertor.
_Quem é? Eu vou gritar.
_Não! Fique quietinho. Eu vim para te ajudar.
_Quem é vo...vo...cê? Disse isso já quase chorando.
_Eu sou o Coragem. O Super
Coragem e só apareço quando alguém precisa da minha ajuda e me chama.
_Mas eu não chamei ninguém.
_Chamou sim. Você chamou, disse -
CORAGEM!!!
_Disse, mas não para você. Disse para a minha cabeça.
_Não adianta. Você me chamou e eu vim te salvar do vilão mais
terrível: O Doutor Medo.
_ DOUTOR MEDO??? Agora essa para eu me preocupar. Já não tenho medo
suficiente, agora tenho de pensar também em um super vilão?
Era o fim. Medo de bicho. Medo de chuva e de um monte de outras
coisas. Agora eu ia ter medo também do Doutor Medo.
Fechei os olhos. Contei até três.
Nada. Os dois continuavam ali. Um no quarto e o outro na janela.
E agora?
_VÃO EMBORAAAAAA!!!!!!!!!
MANHÊ!!!!!!!!!!!
-Não adianta, ela não vai ouvir. Dizia o Super Coragem todo confiante.
_Olhe, Paulinho. Eu já ajudei muitas crianças que também tinham medo.
Você tem de confiar em mim.
_Quer dizer que não sou apenas eu que sinto medo?
_Claro que não. Mas você tem de aprender que ele te faz mal. Você tem
de enfrentá-lo.
_Mas como?
Esse era o problema. Nunca ninguém tinha me ensinado a enfrentar meus
medos. Pelo contrário. Só me ensinaram a ter medos e mais medos. E agora, ele
estava ali, pregado na janela me procurando.
Foi quando saltei da cama feito um foguete, saí debaixo do cobertor,
olhei bem firme o Super Coragem e perguntei:
_Então, eu quero aprender. Como eu vou enfrentar o medo, quer dizer, o
Doutor Medo?
_É simples. Você vai lá, abre a janela, olha bem firme na cara dele e
diz: EU NÃO TENHO MEDO DE VOCÊ. SOU CORAJOSO!
Esse Super Coragem só podia estar de
brincadeira.
_O quê??? Nem pensar. Ele vai me pegar. Você deveria me salvar. Vá ate
lá você e acabe com ele. Você é o Super Herói aqui. Esqueceu?
_Você está enganado. Aquele lá fora não é o meu medo. É o seu. Cada um
tem os seus próprios medos e não adianta eu enfrentá-los por você. Você tem
de fazer isto sozinho. Eu só vim aqui para dizer que a coragem vive dentro de
você. Tenha fé. Acredite. Você pode vencer esse medo lá fora.
_Eu não consigo. Eu tenho muito medo.
_Paulinho, todo mundo tem. Imagine o mundo sem medo. Não há como não
sentir.
_Então, como as pessoas grandes conseguem se elas também têm medo?
_O segredo está nisto que vou te falar: o Super Coragem é bem mais
forte que o Doutor Medo.
_É sério?
_Claro que é. Vou te mostrar. Se a coragem não fosse maior não
existiriam cidades, prédios, pessoas que inventam super coisas como o avião
ou os remédios que curam doenças. Não existiriam os atletas ou os jogadores
de futebol. E se eles tivessem medo? Quem marcaria o gol? Para toda coisa
ruim que existe no mundo, há uma coisa boa muito maior ainda. Para todo medo
existem milhões de pequenas coragens. Toda vez que você ajuda alguém é
corajoso. Você acha que quando uma pessoa salva a vida de outra ela não sente
medo? Mas ela salva mesmo assim. O medo te impede de ser quem você realmente
é, Paulinho.
_Então, quer dizer que eu tenho coragem dentro de mim?
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_Tem. Só tem de descobrir como fazê-la
maior que seus medos.
Mas eu não sei como se faz isso.
_Só você pode descobrir.
Foi então que um grande estouro foi ouvido por todos da rua. Nenhuma
casa tinha um fio sequer de luz. Acabou a energia. Escuridão total.
E o pior estava por vir.
O vento era tão forte que a janela abriu sozinha. Será que foi sozinha
mesmo?
Fiquei congelado. Voltei correndo para debaixo do cobertor. Cadê o
Senhor Coragem? Silêncio.
Foram os piores minutos da minha vida.
Escutei passos vindos de dentro da casa. Era a minha mãe que vinha com
uma vela. Ela sabia que eu tinha muito medo de escuro. E agora? E se o Doutor
Medo pegasse a minha mãe?
Levantei da cama com um pulo só. Fui até a janela. Olhei firme para o
escuro. Nada. Não senti nada me agarrando. Fechei a janela. Fui rápido. Mas
estava preparado. Nada iria pegar a minha mãe.
Quando ela chegou no quarto com a
vela e me viu de pé fechando a janela não acreditou.
_Paulinho, você levantou no escuro? Nem calçou os chinelos? Menino...
_Mãe, EU NÃO TENHO MAIS MEDO.
É isso. O medo tinha ido embora. Eu entendia tudo agora. Minha coragem
era mesmo maior que meu medo. E maior que tudo era o amor que eu tinha pela
minha mãe.
Daquele dia em diante o medo era bem pequenininho dentro de mim.
Queria agradecer ao Super Coragem, mas ele nunca mais precisou me
ajudar. Fiz uma oração e agradeci a Deus. Até pedi para me lembrar dos meus
sonhos!
Eu buscava a bola no campinho. Claro que olhava para os lados. Mas pegava.
Escuro? Que nada!
Bichos? Gostava de estudá-los.
Homem da mochila? Não existe.
Pessoas que não conheço? Se minha mãe conhecia e era gente boa, fazia
amizade.
Primeiro dia na escola? Era a maior alegria.
Bicho papão? Até parece!
Fantasmas? Não fico mais arrepiado!
Até meu pai foi ficando sem medo.
_Acho que o dinheiro chega até o final do mês.
Minha mãe?
Ela tem muito medo. Eu sempre digo para ela:
_Mãe! Não se preocupe. Dentro de você tem muito mais coragem do que
medo.
Então, eu mostro para ela uma caixinha de sapatos antiga.
Às vezes, eu não entendo gente grande. Eles sempre choram quando ficam
alegres e também quando ficam tristes.
Eu não gosto de chorar.
E se as pessoas pensarem que eu tenho medo?
Bem, medo eu ainda tenho. Mas é só um pouquinho.
Quase nem dá para sentir mais.
E se alguém me perguntar:
_Paulinho, o que é coragem?
Hoje eu sei a resposta.
_É
amar tanto, tanto...e querer tão bem as pessoas e a vida, que não sobra
nenhum pedacinho no coração para o medo.
Disso
as crianças entendem bastante.
E as pessoas grandes aprendem com a gente.
E, então, sem medo, você pode ser realmente
quem você é!
Deus te dá coragem!
Acredite!
Drika Martins
(Escrevi em dezembro/2011)
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