domingo, 28 de agosto de 2011

CANTO PARA MINHA MORTE!

Canto para Minha Morte
Raul Seixas

Eu sei que determinada rua que eu já passei
Não tornará a ouvir o som dos meus passos.
Tem uma revista que eu guardo há muitos anos
E que nunca mais eu vou abrir.
Cada vez que eu me despeço de uma pessoa
Pode ser que essa pessoa esteja me vendo pela última vez
A morte, surda, caminha ao meu lado
E eu não sei em que esquina ela vai me beijar

Com que rosto ela virá?
Será que ela vai deixar eu acabar o que eu tenho que fazer?
Ou será que ela vai me pegar no meio do copo de uísque?
Na música que eu deixei para compor amanhã?
Será que ela vai esperar eu apagar o cigarro no cinzeiro?
Virá antes de eu encontrar a mulher, a mulher que me foi destinada,
E que está em algum lugar me esperando
Embora eu ainda não a conheça?

Vou te encontrar vestida de cetim,
Pois em qualquer lugar esperas só por mim
E no teu beijo provar o gosto estranho
Que eu quero e não desejo,mas tenho que encontrar
Vem, mas demore a chegar.
Eu te detesto e amo morte, morte, morte
Que talvez seja o segredo desta vida
Morte, morte, morte que talvez seja o segredo desta vida

Qual será a forma da minha morte?
Uma das tantas coisas que eu não escolhi na vida.
Existem tantas... Um acidente de carro.
O coração que se recusa abater no próximo minuto,
A anestesia mal aplicada,
A vida mal vivida, a ferida mal curada, a dor já envelhecida
O câncer já espalhado e ainda escondido, ou até, quem sabe,
Um escorregão idiota, num dia de sol, a cabeça no meio-fio...

Oh morte, tu que és tão forte,
Que matas o gato, o rato e o homem.
Vista-se com a tua mais bela roupa quando vieres me buscar
Que meu corpo seja cremado e que minhas cinzas alimentem a erva
E que a erva alimente outro homem como eu
Porque eu continuarei neste homem,
Nos meus filhos, na palavra rude
Que eu disse para alguém que não gostava
E até no uísque que eu não terminei de beber aquela noite...
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sábado, 20 de agosto de 2011

CATIVAR


"E foi então que apareceu a raposa:
- Bom dia - disse a raposa.
- Bom dia - respondeu polidamente o principezinho, que se voltou, mas não viu nada.
- Eu estou aqui - disse a voz -, debaixo da macieira...
- Quem és tu? - perguntou o principezinho.
- Tu és bonita...
- Sou uma raposa - disse a raposa.
- Vem brincar comigo - propôs o principezinho. - Estou tão triste...
- Eu não posso brincar contigo - disse a raposa. - Não me cativaram ainda.
- Ah! Desculpa - disse o principezinho. Após uma reflexão, acrescentou:
- Que quer dizer "cativar"?
(...)
- Eu procuro amigos. Que quer dizer cativar?
- É uma coisa muito esquecida - disse a raposa. - Significa "criar laços"...
- Criar laços?
- Exatamente - disse a raposa. - Tu não és ainda para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil garotos. Eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens também necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. Eu serei para ti única no mundo...
(...)
- A gente só conhece bem as coisas que cativou - disse a raposa. - Os homens não têm mais tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. Se tu queres um amigo, cativa-me!
(...)
- Os homens esqueceram essa verdade - disse a raposa. - Mas tu não a deves esquecer. Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Tu és responsável pela rosa...
- Eu sou responsável pela minha rosa... - repetiu o principezinho, a fim de se lembrar."
(Trecho de "O Pequeno Príncipe").
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"Se alguém ama uma flor da qual só existe um exemplar em milhões de estrelas, isso basta para que seja feliz quando a contempla."
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Esse é um trecho do capítulo em que o principezinho encontra-se com a raposa, que lhe ensina algo muito importante. Diria mágico. O significado de cativar alguém. 
Cativar significa criar laços, ganhar a simpatia, atrair, tornar cativo, prender.
Eu cativei e fui cativada. Cada dia da minha vida sinto que esta força de cativar é tão necessária que não há como fugir. Por que fugir?
Há momentos em que pensamos que o certo é renunciar. Pode-se renunciar a tudo, menos ao amor.
O amor é como a única rosa do Pequeno Príncipe. Nunca existirão outras para o olhar e coração de quem ama. Então, deixe-se cativar. Viva por isso.
Quase todas as crianças, umas mais do que outras, têm em si um pouco do principezinho. A mesma simplicidade, a mesma ingenuidade e, principalmente, a mesma sinceridade.
Se amam - amam.
Se não amam - não escondem.
Creio não ter crescido literalmente. Minha criança interior surpreende-se. Algumas vezes acredito não saber as respostas. Quem as sabe completamente? Cada vez que conto história penso como se fosse uma experiência "Veremos se hoje eles irão gostar?". Tenho feito esta experiência há anos e eles ainda gostam. Talvez porque minhas histórias são como a rosa do principezinho para mim: únicas. E eu vejo estrelas nos olhinhos deles. Sinto-me feliz. Cativa. Presa pela delicadeza de ser ouvida, de ser amada - e nessa mágica, consigo prendê-los também.
Há algo diferente em mim. Uma confiança absurda tomou conta do meu coração. A confiança num amor maior e verdadeiro e que nunca me abandonará. Como não me emocionar? Como não ser agradecida? Como não esperar pelo maior milagre que poderia me acontecer? Ser cativada e cativar. Sou eternamente responsável pelo meu mar. Por isso, minha vida mergulha em suas águas.
Minha rosa é única e a ela devoto todo o meu amor!
Amor que desagua no MAR.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

DIA DOS PAIS!


Ao ler para uma criança, ela aprende. Ao ouvir histórias, ela se encanta.
Hoje, antes de contar histórias eu rezei. Foi a primeira vez que rezei para contar histórias.
Rezei porque achei que não iria conseguir. Achei que nenhuma história estava morando em mim hoje.
Eu que sempre fui a casa das minhas histórias. A morada perfeita do sonho e da imaginação.
Hoje - eu só queria fechar os olhos. Sabe aquela dor que você pensa "amanhã passa" e não passa há meses? Uma sensação de desconforto, de abandono, de pouca importância.
Na verdade, nunca me senti muito importante mesmo...sempre me senti avessa e esquisita, fora do mundo e dos padrões.
Mas quando eu conto histórias, quando eu fico perto das crianças, eu sinto que - por um breve momento- eu sou feliz, eu sou amada, eu sou importante.
Nunca me quebrei contando história. Hoje - inacreditavelmente - eu estava quebrada.
Mesmo assim - contei. Acho que sou tomada por um transe. Saio de mim e não sou mais eu.
Não tem explicação - somente conto! E aqueles olhos, aqueles pequenos olhos, me dão a importância que eu sei que eu não tenho. Porém, para eles, tão pequenos...eu sou mágica.
Eles vêm me abraçar e me beijar como se quisessem tomar um pedacinho de mim no final das histórias. Alguns até me tocam - acho que para saber se eu sou de verdade. É um tipo de autógrafo do coração.
Tenho me perguntado "Até quando eu conseguirei ser importante para eles?". 
Venho perdendo uma coisa que nunca poderia perder: o sentido - o sentido da minha vida.
Não é egoísmo, é simplesmente uma constatação com meus dias - eu vivo em função dos outros, mas quando o assunto sou eu - não existo.
Existo para os outros, mas não existo para mim mesma.
Será egoísmo querer viver?
Tenho lutado, juro que tenho - com força, todos os dias. Se não estivesse lutando já teria fechado os olhos. Mas para onde esta luta irá me levar? Ou de quem essa luta irá me distanciar?
Meu maior medo é que essa mágoa que estou sentindo nunca vá embora. Que essa decepção com quem eu mais amo, me destrua para sempre. 
Hoje, um personagem especial veio contar seus "casos" para a criançada: o vovô Tonho!
Vovô Tonho é o próprio folclore.
Vovô Tonho foi meu querido vovô - aquele que pintou minha infância mais colorida, aquele que me ensinou a contar histórias, aquele a quem eu bebia as palavras e me ensinou a figura importante do que é ser pai.
É a primeira vez que contei histórias trazendo meu vô Tonho. Tenho certeza que de onde ele estiver, estava me ouvindo contar suas histórias. Ah, vô, você me faz tanta falta! 
Um dia, você me deixou para contar histórias lá no céu, mas sei que sempre olhará por mim.
O Dia dos Pais é domingo, então, quero te dizer que você foi e sempre será meu exemplo de pai e meu companheiro. 
Ah, vô, bem que você me falava que as pessoas não se importam em nos magoar e que vão embora sem nenhuma explicação. Mas você foi embora e me deixou com suas histórias. Fez de mim boa parte do que eu sou. E nem precisou ficar 24h por dia do meu lado! Somente precisou me amar. Um pai é pai pelos laços do coração, não precisa estar perto, mas precisa estar dentro. Meu vozinho, olhe por mim...eu tenho medo, não tenho dormido à noite, e minha vontade é abandonar tudo. Eu sei que você não está contente comigo, nem eu estou, mas sei que você sempre me ensinou a viver e a ter coragem, então, onde você estiver...eu quero que saiba que eu tenho sido importante - pelo menos contando suas histórias.
Feliz Dia dos Pais vô!
Eu te amo.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

VOCÊ SE LEMBRA?

O que eu quero?
Entre as estrelas do meu drama...
Eu voltei para meu mausoléu
Mas mesmo assim...ainda quero...
É triste querer...tanto querer...

O que eu quero?

...dividir a mesma caneca
esperar você escovar o dente para poder escovar depois
passar sua roupa junto com a minha
estender meus sonhos no varal junto com os seus
cozinhar sopa à noite, em dia frio - e sorrir enquanto você limpa o prato
dormir sem ter medo e nem chorar, porque eu sei que você está na mesma cama
na mesma vida
na mesma manhã
esquentar o leite, o chá - o corpo para você - esperar você chegar
segurar sua mão andando na rua
tomar sorvete e te dar um beijo gelado
ler e dividir com você as melhores partes, os pensamentos, as dúvidas
dar risada, sem motivo, só porque você está ali e não vai embora, nunca...
ouvir as mesmas músicas
assistir aos mesmos filmes
ir ao cinema e dividir a pipoca
te olhar de longe enquanto você trabalha - compenetrado - tão sério - tão lindo
saber que tudo o que passou de ruim não vai mais me atingir, porque você está comigo
ouvir sua voz e sentir um nó na garganta, um arrepio, um frio na barriga - porque só você me causa isso
Pagar as contas - as minhas - as tuas - as nossas - e não ligar pra dinheiro, porque ele vem depois de tudo
Acordar alegre, mesmo quando tudo corre contra, o mundo se agita, as pessoas escorrem palavras duras - acordar alegre - porque acordamos juntos
porque envelhecemos juntos
ouvir nossa música
encostar minha cabeça no teu ombro e fechar os olhos - e o mundo todo para
lavar a louça e entregar pra você enxugar
limpar a casa ouvindo música e vez ou outra, parar só pra te olhar
viajar com você
arrumar as malas
desarrumar
abrir as portas para o dono do meu coração entrar - sempre e sempre
ter paciência com todas as outras pessoas que não entendem o que nós dois somos juntos
somos um
sempre seremos
quero te dar remédio
cuidar de você quando está doente
quero você perto de mim
quero fotografar todas as canecas que eu comprar pra você - quero que sejam muitas - anos e anos
e quando eu não te der mais nenhuma caneca - guarde aquelas que eu te dei - não fique triste
elas contarão a nossa história
e eu te esperarei na nossa eterna morada!

É simplesmente isso o que eu quero, meu amor!
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Deixa-me seguir para o mar
[Mario Quintana]

Tenta esquecer-me... Ser lembrado é como
evocar-se um fantasma... Deixa-me ser
o que sou, o que sempre fui, um rio que vai fluindo...
Em vão, em minhas margens cantarão as horas,
me recamarei de estrelas como um manto real,
me bordarei de nuvens e de asas,
às vezes virão em mim as crianças banhar-se...
Um espelho não guarda as coisas refletidas!
E o meu destino é seguir... é seguir para o Mar,
as imagens perdendo no caminho...
Deixa-me fluir, passar, cantar...
toda a tristeza dos rios
é não poderem parar!

domingo, 7 de agosto de 2011

Datas são apenas datas!


Eu sei que datas são apenas datas
E não acabam com a beleza de grandes momentos
Datas são apenas datas
Mas mesmo assim
Também queria estar presente nelas (...)

Queria existir...

E não ser essa morte diária em pequenas doses
(...) que acaba comigo!

Mais um ano se passou
Eu digo Parabéns?

Para quem?

Datas são apenas datas
E eu não existo.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

EU E O PALCO!


Há um lugar, escondido, aqui dentro do meu coração, em que eu sempre irei existir.
Hoje, contando histórias, pintei o rosto para esconder quem eu sou, quem fui ou quem ainda não consigo ser.
Achei que não iria conseguir porque ficar perto de criança, às vezes, é um tomar conta de alegria que não combina com o ar que estou respirando ultimamente.
Achei que ia chorar, que não iria aguentar.
Mas uma febre, um transe tomou conta de mim. E eu, ali, contando alegrias, fui palhaça e fui criança. Esqueci do desprezo que a vida tem me presenteado, da solidão de ser abandonada, e sorri...
Fingi a dor de um palhaço que entra em cena e tem de atuar - quando, na verdade, a vontade é chorar.
Mas eu ainda estou aqui. Todos temos valor, depende de quem nos enxerga. 
Hoje, queridos pequenos, vocês me enxergaram, e na condição de ser pequena - fui grande.
Na condição de ter sido esquecida, sei que serei lembrada por vocês.
Nunca, em minha vida toda senti tanta dor na alma como estou sentindo estes dias...mas, ainda consigo brincar.
O mundo é um palco.
As pessoas representam o tempo todo - deixam o picadeiro, apagam as luzes.
Eu estou no escuro...
Estou perdida...
Mas as pequenas mãozinhas ainda me guiam...