domingo, 30 de agosto de 2009

PATINHO FEIO






Meu primeiro livrinho - em carne e osso - em páginas e letras.


Sem barulho. Não faça barulho.
Ela aprende a andar nos corredores frios do hospital.
O dentinho sai sem testemunhas. Mas ela sente.
Caminha com o livrinho nas mãos como um tesouro.
Não sabe ler. Mas reconhece as letrinhas. As imagens.
Por que o patinho é diferente?
Ele é seu amigo. Seu companheiro.
A menina caminha. Uma letra aqui, outra ali. Quatro anos.
Cada olhar diferente na escola, cada palavra dita, cada suspiro - ela e o patinho sorriam.
Um dia, quem sabe, sua família a encontraria - a verdadeira - a estrangeira.
O patinho deve ter crescido e, algumas vezes, ainda encontra pessoas que o definem, que o olham de soslaio, que o diferenciam. Nem toda a inteligência do mundo seria capaz de precisar o que o patinho já viveu, já sonhou ou já morreu.
Mas as pessoas são crueis em seus receituários.
O patinho foi dependente uma vez só na vida: foi dependente de sua própria vida - ou da morte ! Mais nada.
A primeria dependência foi de afeto - afeto este que ele tem e de sobra. A vida é o próprio afeto. Seu primeiro sonho: não morrer.
Morre lentamente quem deduz mediocridade no outro sem conhecê-lo.
O patinho tem motivos de sobra para nem saber o que é auto-estima, mas ele a tem.
Na bondade de ver as pessoas,
Na confiança das palavras,
Na luta pelos pequenos,
Na doce companhia dos enfermos,
Na delicadeza das flores,
Na suavidade do toque,
Na beleza das cores,
No entardecer dos amigos,
No ritual de beleza,
Na descida do salto,
No silêncio dos cabelos,
Na delícia dos aromas,
No corpo malicioso,
Nos olhares masculinos,
Nas gentilezas oferecidas,
Nas tentativas de aproximação
Na capacidade de amar.
Ele a quem primeiro descobriu-se diferente. Sozinho. Não querido.
Ele a quem todos diziam: não vai vingar.
Hoje, soberbo...arranca olhares - e de propósito promove suspiros.
Não. Você não o conhece.
Ele poderia te ensinar a usar a inteligência.
Pois ela esqueceu a coisa mais importante: não ferir quem nasceu ferido, mas curou-se através da luta.

sábado, 29 de agosto de 2009


















Eu rego um amor todos os dias. Eu rego a mim mesma. Ritual.
Sou o motivo de minhas madrugadas perdidas. Meus anseios.
Minhas buscas. Minha chegada. Agora é afastar as cortinas e deixar o sol entrar.
Por que sempre chove? Ainda nem me livrei da bagagem. Das fotos. Dos cacarecos.
Do sorriso mofado. Do pedido de socorro. Da ilusão desfeita. Do desencontro.
Ainda bem o desencontro. Pois nasce um novo encontro. Quando? Quem sabe!
A graça é não saber. É esperar como quem descuida de desejar.

"Gosto dos venenos os mais lentos. As bebidas as mais fortes. Dos cafés mais amargos.
E os delírios mais loucos. Você pode até me empurrar de um penhasco que eu vou dizer: e daí, eu adoro voar." Clarice

Eu me multiplico no escuro. Minto a mim mesma dizendo que estou feliz neste lugar. Ninguém é feliz no mesmo lugar.
Viajo em mim para apagar a fúria da mesmice. Mesmice de outros. De olhares. De palavras. De sabores.
Nunca desejei minha morte, mas há algo em mim que precisa morrer.
Essa espera de alguém que talvez não exista. Precisa morrer.
Somente assim poderei parar de esperar e deixar que alguém entre em mim.
Entre rasgado. Farto e faminto. Surrado de também esperar.
Pessoas sempre nos deixam sozinhos. Sem nenhuma palavra. Ponto.
Um gole de vinho e minha sina figura à minha frente. Sou uma estranha a mim mesma.
Morro todos os dias uma morte prematura de desejos guardados em velhas caixas desbotadas.
Juntei minhas mãos e tentei ler suas linhas. Nada falam. Alguém me lê em algum lugar.
Talvez nunca o encontre - mas ele existe. Só preciso parar de esperá-lo.
Talvez a vida seja isso. Uma moldura dourada, um retrato solitário na parede de uma pensão barata.
Uma música sem refrão. Uma árvore curva e de raízes fortes. Um camafeu antigo sem relevo.
Um silêncio no lugar do grito. Uma fome num lugar deserto. Um rastro desfeito em cacos.
Uma janela emperrada. Um vestido surrado em dia de baile. Uma doce palavra de alguém distante.
Esse desencontro é o sabor. É a verdade de se viver. E eu que era tão apaixonada por mim.
Agora me despeço entre luzes de um palco minúsculo. Não. Eu não choro.
Não, porque ainda não me fiz em primavera.
Estou na fila para me devorar.
Devora-te Adriana.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

A MENINA














A menina triste me comoveu.
A tristeza da menina me comoveu.
A tristeza sempre me comove.
Sentada em um banquinho verde e marcado pelo tempo, ficava horas roendo as unhas e balançando os pézinhos calçados com um sapatinho azul surrado.
Vez ou outra levantava os olhos e caminhava lentamente com eles para o outro lado da calçada. Meninos brincavam felizes com suas bolinhas de vidro.
Não levantava. Não brincava. Não sorria. Nem chorava. Somente existia. Existia para si mesma, numa solidão desconcertante e fria.
Era uma criança sentada no banquinho da calçada.
Quando alguém a chamava de dentro da casa, não falava, se levantava e ia com o andar de quem não quer chegar.
Algumas vezes tentei procurar-lhe os olhos. Desviava das bolinhas e dos meninos barulhentos, e subia na calçada na esperança de saber-lhe algo.
Dias, semana e meses.
Era uma menina sentada no banquinho da calçada.
Um dia, notei que o banquinho estava vazio.
__ Onde está a menina? Ninguém sabia.
Não entendia por que ela teria de ir embora, por não entender da tristeza que tinha.
Uma senhora que estranhava a menina, adiantou:
__ Já foi tarde a menina. Não era de bons modos. Não conversava com ninguém. Muito estranha a pequenina. Não era boa companhia.
Fui embora. Troquei de rua. Mudei de calçada.
Mas até hoje aquele banquinho e as brincadeiras que ela não participava ficaram na memória.
Procuro entender por que ninguém brincava comigo.
Sou uma mulher sentada no banquinho das lembranças.
Esperando o dia que alguém me faça companhia.













Misread
(Kings of Convenience)

"...How come no-one told me
All throughout history
The loneliest people
Were the ones who always spoke the truth
The ones who made a difference
By withstanding the indifference
I guess it's up to me now
Should I take that risk or just smile?
What do you know
It happened again
What do you Know???"

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

ENVELHECER














Eu vou envelhecer.
Certeza.
Vou envelhecer para meu filho. Vou envelhecer para meus vizinhos que nunca vejo. Vou envelhecer para meus alunos, que ainda dirão que estou conservada. Vou envelhecer a cada choro que teimo em derramar. Vou envelhecer para as ruas que passo todos os dias.Vou envelhecer em cada medo mal curado. Vou envelhecer ao aproximar meus olhos dos livros com dificuldade, porém os lerei mesmo assim. Vou envelhecer para meu dentista e médico. Vou envelhecer tomando banho de sol, de mar, de vento. Vou envelhecer ao assoprar o chá com menos força que antes. Vou envelhecer ao escutar minha música favorita de infância. Vou envelhecer quando me despedir dos amigos e demorar a revê-los. Vou envelhecer para meus colegas de trabalho. Vou envelhecer em minha melhor risada. Vou envelhecer na aparência e também nas fotos que ficarão amareladas. Vou envelhecer quando não for compreendida. Vou envelhecer quando for compreendida. Vou envelhecer ao passear de mãos dadas. Vou envelhecer ao fazer anotações. Vou envelhecer ao sentir saudades. Vou envelhecer ao não querer envelhecer. Vou envelhecer quando adoecer. Vou envelhecer para o espelho. Vou envelhecer como uma pérola que perdeu o brilho ou como uma criança que envelhece ao escrever. Vou envelhecer para os outros. Todos os outros.

Eu é que não saberei nada disso envelhecendo com ELE.

(Inspirado no texto de Fabricio Carpinejar)



Vou envelhecer quando minhas mãos mudarem seu curso natural.



E ainda assim serei eu...

sábado, 22 de agosto de 2009

CONHECI MUITAS PESSOAS, MAS AINDA NÃO ENCONTREI COMPANHIA !


Mantenho sempre viva no coração a doce sensação de liberdade, sabendo que posso sair deste cárcere quando quiser.


"...que a vida humana é apenas um sonho já ocorreu a muita gente, e esta ideia também me persegue por toda parte. Quando vejo os limites que aprisionam a capacidade humana de ação e pesquisa; quando vejo que toda a atividade se esgota na satisfação de necessidades cujo único propósito é prolongar a nossa pobre existência e, também, que toda a tranquilidade em relação a certas questões não passa de uma resignação sonhadora, pois as paredes que nos aprisionam estão cobertas de formas coloridas e perspectivas luminosas...isso tudo...me deixa estupefado! Mais de pressentimentos e desejos que de raciocínios e forças vitais. E então, tudo flutua ante meus olhos, sorrio e sonhando penetro ainda mais neste mundo".














"Ela não vê, não sente que está preparando um veneno que vai aniquilar a ambos; e vou saborear com volúpia a taça em que ela me oferecer a ruína. De que me serve o ar de bondade com que quase sempre me olha...Quase sempre?..."

( Trechos retirados do livro "Os sofrimentos do Jovem Werther", de Johann Wolfang Goethe)

Eu sou Werther. Que livro!
Sempre que leio algum livro me vejo em alguma coisa deles. Depois passo para outro e outro...e por aí vai.
"Werther, com todo o vigor de sua
juventude, ousou morrer em nome do sentimento mais sublime e mais humano; mais harmônico e mais desestruturado; causa de nossas maiores felicidades e de nossos maiores sofrimentos.
O que foi concedido a toda a humanidade/ Quero usufruir em meu próprio ser".
Antigamente, quando alguém dizia para mim que eu sou única (ou na brincadeira que me fizeram e jogaram a forma fora) eu achava graça ou tomava até como um elogio.
Confesso que ultimamente isto está me preocupando. E se eu for um ser criado para usufruir eternamente da solidão?
Werther tomou a decisão final, o assassinato de si mesmo, pois não havia mais possibilidade de imaginar uma vida compartilhada com quem mais se ama.
Goethe no final da adolescência, certa vez afirmou: "Que sorte ter um coração alegre e livre! (...)
Talvez meu coração devesse perm
anecer alegre e livre para sempre.
O amor pode levar à destruição, a não ser que duas pessoas renunciem o peso da liberdade pela companhia verdadeira. Não a companhia puramente corporal, pois esta não me interessa - é uma consequência. Mas a companhia de alma. Talvez esta não exista, pois é a que mais as pessoas temem. Alguém que do outro lado te compreenda e te veja como realmente você é. Sem amarras ou máscaras.
Tem coisa mais apavorante e deliciosa do que isto?

Alguém me vê?????


sexta-feira, 21 de agosto de 2009















"O homem dos meus sonhos está quase desaparecendo agora.
Aquele que eu criei em minha mente.
O tipo de homem com o qual toda mulher sonha lá no fundo...e que mais secretamente atinge seu coração.
Quase que posso vê-lo agora diante de mim.
O que eu diria a ele...se ele estivesse realmente aqui?
_Perdoe-me!
Nunca tinha conhecido este sentimento.
Vivi sem ele por toda a minha vida.
É de se admirar, então, que tenha falhado em reconhecê-lo?
Você...o trouxe a mim pela primeira
vez.
Há algum modo de que eu possa lhe dizer como a minha vida mudou?
Qualquer modo de fazê-lo saber que doçura você me deu?
Há tanto a dizer que não consigo encontrar as palavras.
Exceto estas...
EU AMO VOCÊ!

(Do filme "Em algum lugar do passado").



















Achei esse livro no Sebo. Não acreditei quando o vi. Eu sou completamente apaixonada por esta história. O que pensar de um homem que atravessa o tempo para encontrar seu amor?
Hoje, pessoas não atravessam preconceitos, distâncias, compromissos, sonhos e nem renúncias por um amor.
Somente aqueles idealistas românticos que acreditam que alguém - mesmo distante e desconhecido - ainda os esperam para viverem aquele amor de cinema.
Um dia, acordo idealista romântica...
Outro dia, acordo racionalista assumida...
Qual das duas sou eu?
Se alguém me perguntasse diria que sou uma idealista amante de mim mesma e protetora fiel do meu coração.
Há quem acredite que meu coração está em algum lugar do passado.
Mas é no futuro que eu quero viver.
Talvez alguém me espere no futuro para ouvir blues e me fazer companhia.

"Ser sozinho é sumamente perfeito, absoluto, pleno, varanda virada pro nascente, acolhedor, cheio, dá conta de si em meio alheio e a sós.

A moça da janela alta do apartamento pra cima do meu suspira o tempo perdido solitariamente. Nas contas dela, só com mais um dá lucro."

(Leida Lusmar)

OS DIAS SÃO TODOS IGUAIS

ESTOU FADADA A VIVER REPETIDAMENTE CADA 24 HORAS.

Onde estará meu RICHARD..........no PASSADO ou no FUTURO?




domingo, 16 de agosto de 2009

PICADEIRO


Filme: Le Fabuleux d'Amélie Poulain













"A sorte é como o Tour de France. Esperamos tanto, e passa tão rápido... quando chega a hora, precisa saltar sem hesitar".

E antes que possas acreditar que me encontrará
derrotada
indisposta
chorosa
infeliz
e apática...
Saiba que sempre sentirá a pousar

sobre nossos ombros
a mão que insulta a beleza.
Eu te aconselho:
apague a luz do picadeiro
não faço parte do teu circo,
nem de tua infelicidade,
muito menos de tuas más escolhas.
Hoje quero dançar na pista
Quero ser vista
Bem no meio da plateia
Cabelos para os lados
Vestido vermelho
Quero almoçar na cama
Ler Drummond até decorar os poemas
Quero uma mochila e um jeans surrado
Uma segunda-feira atrapalhada
Quero beijos pornográficos - sem amor...
Pois o amor me lembra você.
Quero distância de chatices alheias
Virar para o lado e não sonhar mais
Não daquele jeito que você me prometeu
Prometeu e não cumpriu
Mas quem espera promessas? Só um louco...
Quero quero e quero

E de tanto querer coisas
Criei minha dança em vermelho
Na frente do espelho
Minha plateia sou eu.