domingo, 29 de dezembro de 2013

SOLTEIRA SIM.

Ter 20 anos é encontrar o amor de sua vida várias vezes, tomar grandes decisões e aceitar o risco de se desfazer delas pouco tempo depois, mudar de cabelo, de roupa, de humor e de cidade sempre que surgir uma vontade imperativa de se manter em movimento. E isso é completamente aceitável e esperado, se você é jovem, bonita (o) e ainda não passou dos 30. Casamento, matrimônio, núpcias, bodas, união... Todos esperam que quando você chegar a tal idade alcance o sonhado "felizes para sempre". Todos? A diretora argentina Paula Schargorodsky mostra que a busca pela felicidade não depende de alma gêmea - é possível ser feliz mesmo que lhe falte "ser completa (o)" pela outra metade da laranja. Depois de mudar de cidade, de namorado e de vida, Paula passou a filmar compulsivamente sua rotina e a partir dessas imagens é que temos a chance de vislumbrar como a sociedade pode ser dura para quem não segue seu padrão estipulado há milênios. O filme tem um tom feminista, mas a própria diretora reconheceu posteriormente que não só as mulheres passam por isso, é uma questão que não diz respeito aos gêneros e sim ao nosso establishment. Então, tomo aqui a liberdade de refazer a frase que mais me emocionou entre todas do curta metragem: "A liberdade NÃO tem prazo de validade".

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

A ECDISE DO AMOR


As cobras trocam a pele periodicamente. O processo, chamado tecnicamente de ecdise, ocorre para o réptil poder expandir seu corpo e crescer. O amor também troca de pele, expande-se e cresce. O grande enigma do amor talvez viva na sua flexibilidade frente as nossas idealizações. Amor não é comercial de margarina. Amor é todo dia mesmo quando se ausenta por dias, e continua sendo amor mesmo quando já não é amor em gestos. O amor vive nos gestos, mas mais do que isso, sobrevive aos gestos. Às vezes ama-se em silêncio e em críticas. Amar é baguette e café, é almoço mais ou menos ou festa de Babette. O amor cabe e descabe em si. Amar é ter raiva também, sabendo-se estar despido de medidas perfeitas. O amor possível só existe dentro do que cabe em nós, em nossa vida real. Amor com cenário tem validade como tendência de moda. Amar alguém é desnudar-se e manter-se vestido suficientemente para que haja a compreensão de que amar não é apropriar-se. É conseguir olhar o outro distante do olhar da procura dos que nos falta. É afastar-se de preencher desejos ocultos e construir desejos juntos. O outro é o outro com possibilidade do pronome nós sem gigantismos, sem tentáculos. Ser continuamente metade é abrir portas para o amor virar bengala. Ser inteiro é abrir portas para ser dois. No amor não existe roteiro nem música ao fundo no momento exato. Também não existe certezas, apesar da certeza. Quando se ama não cabe códigos de desempenho, de facebook ou de Instagram. No facebook há uma tendência a felicidade e no Instagram uma tendência a lindeza, tudo devidamente ornamentado com coisas bonitas, comidas maravilhosas e objetos imperdíveis. Nem sempre se ama feliz, nem sempre se ama lindo, nem sempre se tem fome. Muitas vezes se perde o apetite durante o amor. Amar é conjugação infinita e pode parecer muito complicado, apenas porque esquecemos que pode ser simples.

sábado, 27 de abril de 2013

IMAGINE UM MUNDO...


Imagine uma comunidade de pessoas onde cada nova criança nascida é filha de todos. Onde sua educação e seu bem-estar são da responsabilidade de todos, parentes ou não. Onde a ousadia do jovem é incentivada e há espaço para ele se desenvolver. Onde a sabedoria dos velhos é realmente ouvida, respeitada e levada em conta. Onde não há o menos ou o mais importante. Onde o conhecimento, o conforto e a riqueza são livremente compartilhados. Onde valores como sensibilidade, respeito, honestidade, honra e dignidade são praticados por todos, naturalmente, em todos os momentos, em todos os dias. Uma sociedade onde a coisa mais preciosa e mais abundante é o amor. O aprendizado e a prática desse amor. Onde cada um tem a consciência que a natureza não é uma entidade separada de nós. Que fazemos parte dela. Somos também ela. Que Deus é e está em todos. E todos são e estão em Deus. Se conseguir imaginar isso, então estamos falando da mesma coisa: fraternidade.

Como é triste perceber que diariamente o ser humano prefere atacar ao invés de amar.
São raros os momentos em que atira-se uma flor no lugar de uma pedra.

Por isso, eu fico com a beleza das crianças.

sexta-feira, 22 de março de 2013

quarta-feira, 13 de março de 2013

MOINHOS DE VENTO



As pessoas vão se calando,  vão ficando esses silêncios...
esses vazios irreparáveis,  até que um dia o tempo engana e diz que não fazem mais sentido, mas ainda são tão sentidos… sempre.

Minha vida é uma festa, mesmo quando estou triste.
Eu estava vazando, essa era a sensação.
De escoamento, de água, de qualquer coisa além do que sou  e do que posso ser.
Depois de conjugar o silêncio, me peguei falante.
O maior presente que alguém pode dar a si mesmo é a inteireza.
Mas é preciso coragem para assim ser, porque toda inteireza nasce de  uma espuma chamada risco.
Estar inteiro é se abandonar o tempo todo para que a possibilidade nos engravide de sonhos. Está inteiro quem não sabe para onde ir, mas, mesmo assim, vai.
Está inteiro quem ri sem motivo e quem não se apavora diante de um dia feio.
Para ser inteiro é preciso um bocado de loucura. Afinal, o mundo é feito de  partes e o diferente sempre padece no paraíso perdido da ausência de reflexo.
Para ser inteiro é preciso ser amante! Amante de si mesmo, da obra que escreve, da peça que apaga, da história que conta, do sorriso que não sai ou da urgência de viver.
É preciso ser amante de quem atravessa o caminho ou simplesmente aparece para partilhar insônias. É preciso ser amante de alguém escolhido, do próprio amor, do caminho.
Para ser inteiro é preciso saber dizer 'não'. Não para as sobras, rimas pobres, dobras.
Aquele que é inteiro não precisa fingir o tempo todo.
Ser inteiro é o melhor presente que podemos dar a alguém, pois não há nada melhor do que o reflexo da inteireza perdida na pupila de quem nos mira.
Inteiro é quem fica rosa de amor e vermelho de vergonha. Quem se veste de amarelo em dia cinza.
Quem nunca viu a neve, mas conhece o seu gosto na ponta da língua. Quem não liga se o vento despenteia os cabelos. Quem engole a vida garganta abaixo e  quem não enjoa com o balanço da realidade, quem não deixa para amanhã o que pode aprender e melhorar hoje. Quem se rende a própria pequenez, unha encravada da condição humana, e por  render-se torna-se tão grande quanto a imensidão do mar. Quem deixa de querer para simplesmente fazer.

terça-feira, 5 de março de 2013

MIL PARTIDAS





Tenho me despedido aos poucos. Tão sutilmente que talvez ninguém perceba. (Sutilezas são coisas que poucos ainda têm percepção.) Cada dia da minha vida tem sido o último. Cada texto tem sido uma carta de adeus, cada frase uma confissão de amor. “Mil partidas formaram-me desde a infância, devagar”, teria dito Rilke e eu não diria melhor. Tenho pensado nessas coisas que as pessoas sentem, mas não dizem. E às vezes me pergunto se realmente sentem. Não sei a resposta. Posso ter sido eu que vim com defeito e sinto essas coisas e não encontro quem também as sinta. Não é questão de compreender, é sentir. Ouvi algumas vezes me dizerem que sou única. E já escrevi também, plagiando inconscientemente não sei quem, que não quero ser único.  E eu digo que pra mau entendedor nem uma vida inteira basta. Não sei se faço parte dos bons ou maus entendedores.
Tenho pensado bastante na palavra “doçura”. Ouvi essa palavra algumas vezes também, ao se referirem aos meus olhos, ou a mim, ou algo relacionado a mim. Caio F. dizia que “há pessoas que são como a cana, mesmo postas na moenda, reduzidas a bagaço, só sabem dar doçura”. Sou uma dessas pessoas? Minha resposta não existe. Talvez não seja doce, mas agridoce. Doces enjoam, ácido corrói. Há abismos sem fundo dentro de mim. Há horizontes sem fim dentro dos meus olhos. E me lanço, nos abismos e aos horizontes. Não é pretensão, mas acho que poucas pessoas chegaram perto de me ver, outras apenas desconfiaram, outras talvez tenham visto e se atraído, em seguida fugido. É… Devo ser assustadora. Poucas chegaram suficientemente perto. Se é que chegaram. Cada um por si, diriam. Ou, Caetaneando, “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”. E só cada um. Que não se abre verdadeiramente para que outro descubra, o descubra. Entre realmente na sua vida, dentro de si, de seu universo. Então temos sete bilhões de pessoas únicas. E sozinhas. Cada um por si… 
Tenho deixado as janelas abertas. Na verdade, sempre as deixei. Queria, antes de partir, que não sei quando será, mas poderá ser a qualquer hora, a herança a quem se com isso se importe, de dizer que o amor realmente existe. Não porque o encontrei, mas porque amei. Mas seria injustiça e ingratidão dizer que não o encontrei, ou que realmente amei. Também fui amada. Seja como for, há algumas perdas irreparáveis no caminho. Pessoas que me fazem tanta, mas tanta falta. Tão importantes. Muitíssimo importantes. Insubstituíveis. Únicas. E como dizia Adriana Falcão, “‘único’ é tudo aquilo que pela possibilidade de virar ‘nenhum’, pede cuidado”. Talvez seja isso… Passei minha vida tentando mostrar a elas isso. Quantas vezes disse: “é preciso tratar como precioso o que é precioso”. E me eram tão preciosas. São. Mas, mesmo que tenham entendido (?) isso, se foram. Mil partidas, como disse… Quis sempre e tanto mostrar a necessidade de urgência em viver, da importância de certas coisas. Do meu jeito torto, do jeito que fui aprendendo, aos trancos e barrancos.
Tenho essa loucura… Sim, loucura. Que outro nome?  As pessoas falam, mas ninguém de verdade quer isso. A maioria sequer move uma palha. Ninguém que queira se aprofundar, se abrir, viver, enfim… E, a qualquer momento, será a minha vez de partir. Não fará diferença, eu sei. Mais um pouco e será como se eu jamais tivesse existido. Ao ir embora, não existirá mais nenhuma prova que alguma vez existi.
Eu existo.

DE UMA CRIANÇA QUE NASCEU ESCREVENDO


De uma criança que nasceu escrevendo.
Drika.


Muitos não sabem por que estão aqui. E isso torna as coisas um tanto difíceis em boa parte das vezes. Ou as torna muito superficiais e sem sentido. Sem sentir, enxergar ou saber no que acreditar, existem apenas. Vão levando a vida. O que não é o mesmo que viver. Trabalham, pois é preciso pagar as contas. Então dormem para trabalhar. Alimentam-se para trabalhar. Vestem-se para trabalhar. E o único fruto do trabalho, muitas vezes árduo ou enfadonho, é o inseguro conforto ou superficial lazer que têm para esquecer do dia a dia e que precisam trabalhar. As poucas tréguas muitas vezes passam tão rápido, que nem conseguem percebê-las. A disputa na segunda-feira. Não sabem quem eles mesmos são.
Acontece que… Não é que não saibam quem são. Não é que não saibam por que estão aqui. Apenas se esqueceram disso. E guardaram tal conhecimento tão bem escondido que pode parecer que nem existe. Mas existe. E, existindo, mas não tendo acesso a essa informação, a esse tesouro… Parece injusto. Muitas pessoas procuram a felicidade em coisas tão distantes, algumas procuram o sentido no mundo lá fora, para fazer sentido dentro de si. E não conseguem. E não encontram. O mundo e toda a vida nele continua, em sua enorme diversidade, multiplicidade e grandiosidade. Não quer nos explicar nada. E isso, mais uma vez, parece injusto. Mas o mundo não quer nos explicar nada porque não é necessário. Nada nos é inacessível. Ninguém foi pego de surpresa ao nascer aqui. 
“Conhece-te a ti mesmo” talvez seja um dos mais sábios conselhos dados pelos sábios. Conhecendo-nos a nós mesmos, cada vez mais profundamente… Chegaremos ao que jamais precisaria ter ficado oculto tampouco escondido. Ao que deveria ser (e é) a coisa mais natural e simples de ser alcançada. A nossa fonte. Quem nós realmente somos. Através dela nos lembramos de onde viemos, onde estamos e para onde queremos ir. Reencontramos o fluxo natural de beleza, alegria e magia ao qual pertencemos e fazemos parte. E o expandimos através do nosso magnífico poder de criar. Coisas belas, alegres, mágicas. Essa fonte, tão poderosa e sem limites, é o que somos. Alguns a chamam de “Deus”. Outros de “Universo”… “Eu Interior”. Seja qual o nome, estão falando todos da mesma coisa. Somos Deus ou parte dele, somos o Universo e somos o Eu Interior. Sem perder nossa individualidade e nossa rica personalidade, experiência e particularidades, que nos fazem únicos, somos parte de um todo, imenso, sem limites. Que está em expansão e se expande através de nós. Através de nossas vivências, nossas criações, nossas escolhas.
Não há nada que não possamos ser, fazer ou ter… Lembram-nos os espíritos dos sábios. A base de toda e qualquer vida é a liberdade. Plena. Nunca, em nenhum lugar ou tempo, seremos julgados pelo o que quer que seja que tenhamos escolhido ser, fazer ou ter. O objetivo da vida é a felicidade. O bem-estar. Que faz parte desse fluxo natural, poderoso e belo onde tantas vezes o vivenciamos, mas muitos escolhem esquecê-lo. O universo está repleto de beleza e magia. A natureza, os arco-íris, as cachoeiras, as florestas, as flores, as montanhas, o mar. Os animais, os seres humanos. Cada vida nele. E estamos todos conectados. Essa energia que se expande e cria mundos e universos. Somos também nós. O aprendizado, a expansão… É o resultado dessa jornada bela e diversa que jamais terminará. Jamais o aprendizado cessará. 
Não viemos para salvar o mundo. Não viemos para mudar ninguém. Ninguém que não a nós mesmos. E escolher, decidir o que realmente queremos. O que nos faz bem. E então nos focar nisso. E agir somente a partir disso. Desse estado de conexão. De milagre. De magia. Trabalhamos para criar. O trabalho tem outro sentido, é claro. E o fruto do trabalho é realmente sagrado. Mas a vida é muito mais. Viemos para amar. Para respeitar a liberdade. E querer a liberdade do outro tanto quanto queremos a nossa.  Como já disse outro espírito sábio, muitas vezes nos emocionamos diante da beleza. Da arte. Do milagre. Da vida em todo seu esplendor. Numa música, num olhar, num gesto… No alto de uma montanha vemos a natureza e nos emocionamos. A beleza sobrecarrega nossos sentidos e choramos. E esse choro de plena felicidade é porque acabamos de ser reconhecidos. Cada rocha, cada árvore e até mesmo o vento que sopra em nossas faces sabem quem somos e chamam nossos nomes. Parte de toda a Criação somos nós e acabamos de encontrar a nós mesmos. E esse momento de pleno milagre… Não precisa ser apenas um momento. É possível (e natural) que o milagre seja a nossa vida e esteja nela todo o tempo.
Costumo dizer que os raros se atraem. Na verdade todas as experiências e pessoas que tivemos, temos e teremos em nossas vidas… Nós as atraímos. Quando digo sobre os raros, na verdade estou dizendo das pessoas que sentem e enxergam como eu. Mas não quer dizer que as outras são menores ou maiores. São diferentes. E têm suas verdades que também são… Verdade. E é preciso respeitar e apreciar as diferenças. Aos que atraímos… Muitas vezes sinto como se fôssemos de um clã… Uma família… Não sei dizer o nome. Mas viemos do mesmo lugar e queremos coisas semelhantes. Vemos coisas semelhantes. Sentimos coisas semelhantes. E, espalhados por entre sete bilhões de pessoas, algumas vezes os olhamos e junto com o olhar algo em nós se reconhece imediata e inequivocadamente. Tendo consciência disso ou não, esses serão nossos irmãos e irmãs. Nossos filhos e filhas. Nossos amigos e amigas. Nossos pais e nossas mães. E assim nós seremos, para elas.  Nelas e em nós encontraremos e encontramos o amor. O amor que amamos. O amor com o qual somos amados. Por isso sentimos a necessidade, o desejo e a vontade de caminharmos juntos. De compartilhar a felicidade. E o milagre. A vida.
É da escolha de cada um, porém, com quem deseja caminhar e compartilhar sua vida. O fato de existir essa conexão não necessariamente implica que isso acontecerá. Cada um faz suas escolhas e decide o que acredita ser melhor. E será o melhor. Não viemos aqui para decidir por ninguém. Nem escolher por ninguém. Nem para julgar ninguém. Viemos aqui, em total liberdade, cada um de nós, para sermos felizes e respeitar profundamente a liberdade de cada um, a forma que escolheu e escolhe ser feliz. Ser feliz… Essa é a nossa única missão. Se assim também escolhermos. Tudo esteve, está e sempre estará bem. Jamais perdemos ou perderemos alguém ou o que quer que seja. Isso é impossível. Estamos todos aqui. Grandiosos e belos… Para sermos tudo que podemos ser. E escolhermos ser. E fazermos parte do grande milagre. Que se expande e vive através de nós. E nós através dele.
(Então… Quando digo: “eu vejo você”. É mais do que ver. É saber quem eu mesma sou. E saber quem você mesmo é. Minha alma encontrou a sua. Minha fonte reconhece a sua. E vibra com isso. Vibra por isso. Vibra junto. À essa conexão… Alguns chamam de “amor”. Impossível explicar ou dar nomes. Mas talvez seja o melhor nome que encontramos. Muitos estão tão longe de suas próprias fontes que dizem que isso não existe. Ou quando o sentem, preferem esquecê-lo como algo impossível de manter. Têm medo. E é uma pena… Porque Deus nos criou ousados, livres de medos. Sabe que podemos tudo que quisermos. Os velhinhos se beijando na praça, após uma vida inteira de amor, entendem isso. E que o amor pode sim ser mantido e vivido e cultivado. E cresce tanto. Porque é a coisa mais natural de acontecer quando essa conexão existe e ambos decidem vivê-la. Quando decidem inundar de alegria a vida um do outro. Compartilhar a vida, a magia… O milagre. De toda a criação.)
Essa é a minha definição de VIDA.
Como não bendizê-la?
Fato é que as mediocridades cotidianas nunca macularão meu ser. As mentiras contadas são propósitos egoístas, amedrontados de seres que ainda não conceberam o valor real dos sentimentos e da consideração.
Raros se atraem. Raros existem.
E eu sou feliz por isto.
De hoje em diante, pouquíssimos terão a permissão para adentrar o meu mundo.
Porque, fechar as cortinas, também é viver.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

IMPRESSÃO DA DRIKA





É preciso aceitar que o outro existe independentemente de você e que você existe independentemente dele.
A maldade não está nos olhos de quem vê, mas nos olhos de quem não entende o que vê.
Quantas vezes julgamos o livro pela capa!
Bradshaw, psicólogo, teólogo, filósofo e antropólogo, explica que vergonha é o sentimento que nos torna humanos, pois ao sentirmos vergonha nos damos conta de que somos imperfeitos e por isso não somos Deus.
Vivemos numa cultura perversa e perfeccionista que nos leva constantemente ao desapontamento e por consequência à vergonha. A vergonha saudável nos ajuda a perceber nossos erros e corrigi-los. A vergonha tóxica nos impele a julgar aquele que não caminha segundo os padrões estabelecidos pela sociedade.
Quanto mais você gostar de si mesmo, mais perigoso você é para a sociedade. Você será mais livre, mais independente. Você não dará tanta importância para a opinião indiscreta alheia. Analise uma criança: ela gosta muito de ser ela mesma. Sua auto-estima está relativamente intacta. Seus conceitos ainda estão em formação. São, praticamente, uma folha em branco. Cada marca ou registro é livre por conta do que ainda viverão.
É muito difícil olharmos no espelho a cada manhã e aceitarmos humildemente que somos o que somos, qualidades e 'defeitos'. É entender que somos únicos, e essa sim é a nossa maior beleza - ser quem realmente somos. É como voltar a vermos com olhos de criança. Voltar a ser o super-herói, a princesa, a bailarina, o policial etc.
Ao nos depararmos com este universo de diferenças, entendemos que a beleza do próximo é beleza porque ele é único e, então, aprendemos a respeitá-lo como processo de valorização do outro.
Muitas de nossas convivências são baseadas em sistemas perfeccionistas e o perfeccionismo gera desapontamento. E é basicamente para banir o desapontamento que, ainda na infância, o nosso ego se fragmenta e cria disfarces que serão usados na vida adulta como a busca pelo poder e controle, raiva, arrogância, crítica e culpa, inclinação para julgar e moralizar, desprezo, tomar conta de alguém, inveja, satisfazer aos outros, comportamentos compulsivos etc.
A criança adulta, então, busca no outro uma satisfação que ele mesmo não consegue sentir.
Entra, a partir daí, os apontamentos no comportamento do 'outro'.
O 'outro' é diferente de mim. Então, devo questionar sua forma de conduzir a vida. 
Penso, sinceramente, que o jeito de ser de cada um não deveria causar vergonha ou estranhamento.
Somos tão repletos de universos interessantes, únicos, ímpares. Somos, como disse há um tempo atrás, a soma das 'gentes'. Se assim nos apresentamos, não importa o rio que nos faz correr, o que realmente importa é que ele seja intenso e que lave a alma de quem banhar-se nele.
Há um rio em mim, sou água que banha luz. Sou a sombra do recolhimento. 
Mas, em momento algum, meu comportamento e meu jeito de ser agonizam na vergonha.
Não tenho vergonha de pensar, de sentir, de me impugnar em minhas falhas, de gritar minhas derrotas e proclamar minhas vitórias.
Sim, eu sento no chão para brincar.
Sim, eu sou gargalhada nos primeiros minutos da manhã.
Sim, eu não tenho vergonha de abrir os braços e bendizer minha vida.
Sim, eu toco e sou tocada pelo amor.
Sim, eu vivo o que faço.
Sim, eu faço pelo que vivo.
Sim, eu sonho.
Sim, eu me entrego.
Sim, eu facilito minha inteligência.
Sim, eu creio.
Sim, eu falo não às vezes.
Sim, eu fico brava também.
Sim, eu não desisto.
Sim, eu olho nos olhos.
Sim, eu não me desculpo - eu conserto integralmente.
Sim, eu sou visceral.
Sim, eu não disfarço.
Sim, eu sou outsider.
Sim, eu sou estranha.
Sim, eu me recolho no meu mundo.
Sim, eu dou o meu mundo para os muitos wonderlands.
Sim, eu travo minhas lutas.
Sim, eu sou a Drika.
E eu não tenho vergonha de sê-la.
Minha criança adulta é assim.

Não consigo agradar a todos.
Não consigo deixar de ser a Drika.

Essa é minha impressão digital.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

O TEMPO E EU


Há um tempo.
Há tempo.
Tempo que leva tempo, tempo que leva lento, tempo que leva tempo pouco até levar de mim algumas posses.
Onde tempo?
Quando?
Eu ainda me atraso para o pôr do sol. Detesto a espécie de gente que não fecha a porta ao sair. Mesmo que essa pessoa seja o vento. Certa vez, sem saber, fechei o portão na cara do sol. Daqueles incrivelmente belos e alaranjados, que meus olhos míopes detestam ter de encará-lo. Mas só percebi a visita após barrá-la. Eu quero um chapéu da cor do couro. No mesmo dia do sol, percebi uma sombra ao lado da minha mesa do computador. Minutos depois lembrei que não era minha aquela sombra. É só domingo. Sem mingo. Sem migo. Sem. É só um mês. Uma data. E eu anseio aquele mês, mesmo sem saber quando será. Espero que ele venha comigo. Comigo. Como for. Por amor. Só que venha. E traga flor. Lenha. Cobertor.
Cantarolei a mesma canção que me presenteava a melancolia, me cobria dos pés a cabeça de dentro pra fora e da pele a alma. Cantarolei e senti o gosto das lágrimas salgadas, pensando como passaria a palavras o momento de agora. Daria filme, livro, arte. Sendo ou não de desfecho triste, que, nessa escrita já não tinha a permissão de não ser.
Há sempre tempo.
Mas, há um tempo, venho desfazendo meus minutos em esperas. Ponteiro. Por inteiro.
Amores sem alma.
Alma sem calma.
Por quanto tempo?

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

MAPA DO DESTINO





Não aprendi a falar, aprendi a dizer o que sinto e sinto muito se isso não agrada.
Quando se passeia pelo lado selvagem  descobre-se que não há outro lugar possível.
Ou somos selvagens por inteiro, ou não somos. Não existe meio termo para quem tem olhos de bicho.
Há uma parte de mim que quase ninguém conhece. Não importa. Nasci selvagem, por isso, hoje, me alimento de novas paisagens.
Os mais distraídos acabam deixando a vida passar em branco.
Se eu fosse um chocolate, seria um bombom com recheio de geleia de pimenta.
Se eu fosse um filme, seria um Almodóvar. E, embora eu pareça meio louca e exagerada, amo desesperadamente tudo o que me transporta para o convívio das 'gentes'. Amo olhar o outro; ler o outro; ser alguém para alguém.
Aos 17 anos resolvi ler Nietzsche e Foucault. A partir daquele momento em diante a minha loucura teria morada para sempre: a escrita.
Seria muito charmoso se eu dissesse que não passo de uma mulher confusa. Mas não. Há tempos abandonei essa mania estranha de achar que estou perdida só porque escolhi ser diferente. Acreditava que não se escolhe ser diferente. Mas é uma escolha sim. Um belo dia, você acorda e pensa que PeNsA.
E de tanto pensar em pensamentos eles acabam vivendo e te transformam numa fábrica.
Você fabrica diariamente milhares de ideias e pensamentos. Mas não são comuns. São extraordinariamente e infinitamente diferentes. A partir do momento que escolheu, não há como voltar atrás.
E, quase sem querer, encanta. Encanta de propósito e encanta sem propósito algum. Simplesmente porque não consegue mais caminhar em padrões. Seria tão mais simples se não fosse assim. Mas eu não sou nada simples.
A minha força nunca seca. Não há foice que me alcance, pedras que me prendam e nem reza que me destrua.
Muitas vezes me retiro de mim. Brigo comigo mesma, porque é muito difícil vestir-me na solidão.
Nenhum animal sentimental consegue abrir mão de ser quem realmente é.
Todos nós temos uma vocação, um dom, uma chama que não se apaga. 
Eu sei que tenho isso, porém, às vezes, tenho de esconder-me para não quebrar nada.
Há uma infinidade de raros, ímpares, que quebram tudo. Quebram paradigmas, quebram preconceitos, falsas necessidades. Isso causa medo. Ninguém quer ser desmascarado em suas pequenas maldades diárias. Saber ver te deixa sozinho e angustiado.
Há um mapa dentro de mim que me guia para um lugar determinado. Um lugar em que ser diferente é tranquilo. É simples.
Deve haver esse lugar. E sua beleza será tamanha.
Agora com licença, tem uma dama do outro lado da rua me chamando para a realidade.
É tão exaustivo ser alguém. Principalmente a Drika.
Mas, felizmente ou infelizmente, ela escolheu ser assim.
Que os anos a ensinem, pelo menos, não se desviar do caminho e seguir o mapa até encontrar seu destino.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

MOMENTOS

12/01/13

De repente você cansa.
Cansa das músicas que sempre ouviu, das pessoas que te cercam, das roupas do armário, das ruas em que anda.
Cansa do jeito que penteia o cabelo, do jeito que levanta da cama todos os dias e das palavras que escolhe para não dizer o que realmente gostaria de dizer. 
Cansa de tentar fazer os outros enxergarem o quanto dói.
Cansa de ofertar verão e receber inverno.
Cansa pelos dramas das situações vividas, da distância de quem deveria estar perto. Cuidando. Zelando.
E por mais que você corte o cabelo, compre roupas novas, faça uma viagem, leia sobre assuntos inimagináveis, faça uma tatuagem ou qualquer outra coisa, não adianta. 
Porque, no fundo, você não está cansado do mundo, mas da maneira como reage a ele.
Da maneira como reage a uma pedrada, a uma flor, a um menino de rua, a ausência de lua em suas noites cheias. 
Não é aceitar a vida como ela é que cansa, mas sim a dança que fazemos para nos esquivar de tudo aquilo que não entendemos ou sentimos medo.
O que cansa mesmo é a insegurança.
Incerteza.
Mas de onde vem essa certeza?
Quem a possui?
Então, ultimamente, tenho optado pelos momentos vividos. Não é justificativa de quem erra, é o propósito de quem quer carregar somente o que não pesa.
Pelo menos me faz sentir que estou viva e não apenas vivendo.
Existem momentos que deveriam existir repetidamente para sempre.
Já que isto não é possível, então, uma alternativa é gastar até a última gota de suor e lágrimas tentando construir momentos inesquecíveis. Quem sabe, ao fim da vida, tenhamos o livro de nossos passos repleto de pequenas histórias mágicas.

UM MOMENTO INESQUECÍVEL É QUANDO AMAMOS A NÓS MESMOS.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

SE ALICE EU FOSSE




Se Alice eu fosse teria aprendido com o Chapeleiro que o impossível é quase possível, tudo é uma questão de duas letrinhas a mais. Teria me servido da loucura como um vestido novo; e ficado linda com ele.
Não me irritaria com aparições e desaparições de certos gatos, não tomaria a culpa para mim por isso. Não existem culpados.
Se Alice eu fosse não bancaria a jardineira que tenta esconder seus defeitos como aqueles que pintam rosas brancas de vermelho.
E teria aprendido com a duquesa que 'somente pássaros da mesma cor voam juntos para onde for' e talvez tivesse me tornado aquilo que pretendia ser.
Saberia que toda tristeza esconde seus motivos e, jamais, me permitiria sentir tanto medo ao ponto de esquecer meu próprio nome.
Entenderia, por fim, que qualquer hora é hora para sentir-me feliz; que não preciso marcar o passo, nem me apressar, nem me desligar. O chá seria servido quente ou frio, tanto faz, o importante mesmo seria tomá-lo.
Teria uma alegria profunda com as coisas sem sentido, pois teria ouvido da própria boca do Chapeleiro que as coisas sem sentido evitam um grande problema: o de procurar sentido nas coisas! Procurar muito o sentido não sobra tempo para viver. 
Se Alice eu fosse seria exatamente como eu sou: uma menina maravilhada com tudo o que vê, ouve e sente.
Se Alice eu fosse trataria de apressar a Drika para que ela não se atrasasse para a vida.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

O MEDO





O MEDO SE ESCONDEU DA CORAGEM!

    As pessoas grandes nunca poderiam entender. Era o que eu sempre repetia.

    Estranho! Mas eram meus pais que diziam:

    _Paulinho, isso não é lugar para criança. É escuro. É molhado, pega gripe. Não vá atravessar a rua. Você é pequeno demais. Alguém te leva embora. Criança levada barata vem comer de noite. Volte aqui senão o bicho-papão te pega.

    Se toda criança vem ao mundo para um dia ser gente grande...isso eu não entendo!
    Gente grande não deveria ter medo. Mas é gente grande que põe medo em criança!!!

    E eu fui vivendo no meu mundo do medo. Apertado. Escondido da coragem. Nem sabia se ela existia mesmo. Via na televisão. Nos filmes. Queria conhecer. Mas como eu poderia acreditar mais em histórias do que em gente grande?
    Minha história começou desde a barriga da minha mãe. Mas antes eu vou me apresentar.
    Eu sou o Paulinho.
Todo mundo falava quando eu nasci:

    _ Nossa, esse aí, coitadinho. Não vai muito longe. Tão fraquinho.

    Nasci antes da hora. Acho que porque eu sou apressado mesmo. Minha mãe me contou que eu era tão pequeno, mas tão pequeno que cabia numa caixinha de sapato.
    E ela tinha muito medo. Medo de me ver doente e eu ficar assim, pequenininho ou diferente das outras crianças.

    Mas ninguém é igual a ninguém mesmo!

    E eu já não sabia se o medo era da minha mãe, do meu pai ou era meu mesmo.

    Meu pai também tinha medo.
    Vivia bravo com a minha mãe.

    _ E se o dinheiro não sobrar para o final do mês?

    Eu não entendo para o que serve o dinheiro.
    As pessoas, às vezes, brigam por causa dele. Acho que isso é medo também.
    Só sei que cresci sem saber de quem era o medo. Mas ele estava ali, bem perto de mim! Espiando minha vida.
Aranha embaixo da cama. Medo!!!
    Quando acaba a energia e ninguém acha uma vela em casa.
    Filmes de gente gritando.
    Fantasmas. Nunca vi nenhum. Nem sei se existem. Mas escutei por aí, então, tenho medo.
    Roda gigante.
    Pula-pula.
    Andar de avião. Meu pai falou que nunca terá dinheiro para viajar de avião, mas eu tenho medo mesmo assim.
    De ficar sozinho. Nunca fiquei.
    Do meu primeiro dia na escola.
    De gente que não conheço.
    De bicho. Qualquer um.
    Do homem da mochila. Minha mãe vive falando que ele me pega se eu não obedecer.
    E meus medos foram ficando cada vez maiores.
    Perdidos num cantinho chamado coração.
Eu até tentava disfarçar, mas não tinha jeito. Dizia para minha mãe:
    _ Mãe, eu não tenho medo. Pode deixar comigo.
    E era só eu apagar a luz, sozinho, para começar a gritar e a correr.
    Ou então, falava para meu amigo Felipe:
    _Eu vou te provar, não tenho mais medo.
    E a bola ia pipocando longe no campinho. Essa não! Eu que não ia pegar. Todo mundo ria de mim, menos o Felipe. Esse sim era corajoso. Não tinha medo de nada. Eu via nos olhos dele que ele queria me ajudar.
    Mas como?
    O medo grudou em mim feito aquela bala estica-e-puxa que cola no dente da gente.
    Mas tudo isso estava para mudar. E aconteceu tão de repente que o senhor medo nem conseguiu acreditar.
A chuva batia forte na janela. Isso também me assustava. Mas eu sabia bem lá no fundo que chuva era boa. Só que fazia muito barulho.

    A mamãe logo gritava de longe:

    _Paulinho, calce os chinelos, você vai pegar um resfriado!

    Eu não gostava quando ela gritava de longe.  Meus cabelos que eram enrolados na ponta quase ficavam lisos de medo. Minhas bochechas rosadas perdiam a cor. Não gosto das minhas bochechas. Gente grande adora apertar e beijar criança que tem bochechas rosadas. Eu até gostava no começo. Claro, antes de ver a cara feia da minha mãe. Ela dizia que podia pegar doença quando alguém beija a gente assim de supetão.

    Beijo é bom. Não devia dar medo também.

    Aquela noite seria a maior noite da minha vida. Tudo mudaria.
    Eu não seria mais o Paulinho medroso e sim o Corajoso.
Já estava quase na hora de dormir. Dei boa-noite aos meus pais e fui para a cama. Claro que minha mãe me levou até o quarto. Fizemos as orações como sempre e ela foi embora. Pedi para não ter medo, dormir logo e não sonhar. Não gostava de sonhar. E se um monstro aparecesse nos meus sonhos?
    Gostava mesmo era de deitar e só acordar no outro dia. Assim, num piscar de olhos.
    Mas essa noite estava difícil. O senhor trovão e o senhor relâmpago estavam bravos.

    E foi num pedacinho de tempo que um clarão iluminou minha janela. E eu vi.
    Um rosto estranho. Uma máscara só deixava os olhos de fora. Era o próprio medo.
    _ E é mesmo Paulinho __ uma voz de gente grande que eu não conhecia falou de dentro do meu quarto. Eu me afundei mais ainda no cobertor.
    _Quem é? Eu vou gritar.
    _Não! Fique quietinho. Eu vim para te ajudar.
    _Quem é vo...vo...cê? Disse isso já quase chorando.
    _Eu sou o Coragem.  O Super Coragem e só apareço quando alguém precisa da minha ajuda e me chama.
    _Mas eu não chamei ninguém.
    _Chamou sim. Você chamou, disse -  CORAGEM!!!
    _Disse, mas não para você. Disse para a minha cabeça.
    _Não adianta. Você me chamou e eu vim te salvar do vilão mais terrível: O Doutor Medo.
    _ DOUTOR MEDO??? Agora essa para eu me preocupar. Já não tenho medo suficiente, agora tenho de pensar também em um super vilão?
    Era o fim. Medo de bicho. Medo de chuva e de um monte de outras coisas. Agora eu ia ter medo também do Doutor Medo.
Fechei os olhos. Contei até três. Nada. Os dois continuavam ali. Um no quarto e o outro na janela.
    E agora?
    _VÃO EMBORAAAAAA!!!!!!!!!
       MANHÊ!!!!!!!!!!!
    -Não adianta, ela não vai ouvir. Dizia o Super Coragem todo confiante.
    _Olhe, Paulinho. Eu já ajudei muitas crianças que também tinham medo. Você tem de confiar em mim.
    _Quer dizer que não sou apenas eu que sinto medo?
    _Claro que não. Mas você tem de aprender que ele te faz mal. Você tem de enfrentá-lo.
    _Mas como?
    Esse era o problema. Nunca ninguém tinha me ensinado a enfrentar meus medos. Pelo contrário. Só me ensinaram a ter medos e mais medos. E agora, ele estava ali, pregado na janela me procurando.
    Foi quando saltei da cama feito um foguete, saí debaixo do cobertor, olhei bem firme o Super Coragem e perguntei:
    _Então, eu quero aprender. Como eu vou enfrentar o medo, quer dizer, o Doutor Medo?
    _É simples. Você vai lá, abre a janela, olha bem firme na cara dele e diz: EU NÃO TENHO MEDO DE VOCÊ. SOU CORAJOSO!
Esse Super Coragem só podia estar de brincadeira.
    _O quê??? Nem pensar. Ele vai me pegar. Você deveria me salvar. Vá ate lá você e acabe com ele. Você é o Super Herói aqui. Esqueceu?
    _Você está enganado. Aquele lá fora não é o meu medo. É o seu. Cada um tem os seus próprios medos e não adianta eu enfrentá-los por você. Você tem de fazer isto sozinho. Eu só vim aqui para dizer que a coragem vive dentro de você. Tenha fé. Acredite. Você pode vencer esse medo lá fora.
    _Eu não consigo. Eu tenho muito medo.
    _Paulinho, todo mundo tem. Imagine o mundo sem medo. Não há como não sentir.
    _Então, como as pessoas grandes conseguem se elas também têm medo?
    _O segredo está nisto que vou te falar: o Super Coragem é bem mais forte que o Doutor Medo.
    _É sério?
    _Claro que é. Vou te mostrar. Se a coragem não fosse maior não existiriam cidades, prédios, pessoas que inventam super coisas como o avião ou os remédios que curam doenças. Não existiriam os atletas ou os jogadores de futebol. E se eles tivessem medo? Quem marcaria o gol? Para toda coisa ruim que existe no mundo, há uma coisa boa muito maior ainda. Para todo medo existem milhões de pequenas coragens. Toda vez que você ajuda alguém é corajoso. Você acha que quando uma pessoa salva a vida de outra ela não sente medo? Mas ela salva mesmo assim. O medo te impede de ser quem você realmente é, Paulinho.

    _Então, quer dizer que eu tenho coragem dentro de mim?

    _Tem. Só tem de descobrir como fazê-la maior que seus medos.
Mas eu não sei como se faz isso.
    _Só você pode descobrir.
    Foi então que um grande estouro foi ouvido por todos da rua. Nenhuma casa tinha um fio sequer de luz. Acabou a energia.     Escuridão total.
    E o pior estava por vir.
    O vento era tão forte que a janela abriu sozinha. Será que foi sozinha mesmo?
    Fiquei congelado. Voltei correndo para debaixo do cobertor. Cadê o Senhor Coragem? Silêncio.
    Foram os piores minutos da minha vida.
    Escutei passos vindos de dentro da casa. Era a minha mãe que vinha com uma vela. Ela sabia que eu tinha muito medo de escuro. E agora? E se o Doutor Medo pegasse a minha mãe?
    Levantei da cama com um pulo só. Fui até a janela. Olhei firme para o escuro. Nada. Não senti nada me agarrando. Fechei a janela. Fui rápido. Mas estava preparado. Nada iria pegar a minha mãe.
Quando ela chegou no quarto com a vela e me viu de pé fechando a janela não acreditou.
    _Paulinho, você levantou no escuro? Nem calçou os chinelos? Menino...
    _Mãe, EU NÃO TENHO MAIS MEDO.

    É isso. O medo tinha ido embora. Eu entendia tudo agora. Minha coragem era mesmo maior que meu medo. E maior que tudo era o amor que eu tinha pela minha mãe.
    Daquele dia em diante o medo era bem pequenininho dentro de mim.
    Queria agradecer ao Super Coragem, mas ele nunca mais precisou me ajudar. Fiz uma oração e agradeci a Deus. Até pedi para me lembrar dos meus sonhos!
    Eu buscava a bola no campinho. Claro que olhava para os lados.  Mas pegava.
    Escuro? Que nada!
    Bichos? Gostava de estudá-los.
    Homem da mochila? Não existe.
    Pessoas que não conheço? Se minha mãe conhecia e era gente boa, fazia amizade.
    Primeiro dia na escola? Era a maior alegria.
    Bicho papão? Até parece!
    Fantasmas? Não fico mais arrepiado!

    Até meu pai foi ficando sem medo.
    _Acho que o dinheiro chega até o final do mês.
Minha mãe?
    Ela tem muito medo. Eu sempre digo para ela:
    _Mãe! Não se preocupe. Dentro de você tem muito mais coragem do que medo. 
    Então, eu mostro para ela uma caixinha de sapatos antiga.
    Às vezes, eu não entendo gente grande. Eles sempre choram quando ficam alegres e também quando ficam tristes.
    Eu não gosto de chorar.
    E se as pessoas pensarem que eu tenho medo?
    Bem, medo eu ainda tenho. Mas é só um pouquinho. Quase nem dá para sentir mais.
    E se alguém me perguntar:
    _Paulinho, o que é coragem?
    Hoje eu sei a resposta.
    _É  amar tanto, tanto...e querer tão bem as pessoas e a vida, que não sobra nenhum pedacinho no coração para o medo.
    Disso as crianças entendem bastante.
    E as pessoas grandes aprendem com a gente.
    E, então, sem medo, você pode ser realmente quem você é!
 Deus te dá coragem! Acredite!


Drika Martins
(Escrevi em dezembro/2011)