terça-feira, 5 de março de 2013

MIL PARTIDAS





Tenho me despedido aos poucos. Tão sutilmente que talvez ninguém perceba. (Sutilezas são coisas que poucos ainda têm percepção.) Cada dia da minha vida tem sido o último. Cada texto tem sido uma carta de adeus, cada frase uma confissão de amor. “Mil partidas formaram-me desde a infância, devagar”, teria dito Rilke e eu não diria melhor. Tenho pensado nessas coisas que as pessoas sentem, mas não dizem. E às vezes me pergunto se realmente sentem. Não sei a resposta. Posso ter sido eu que vim com defeito e sinto essas coisas e não encontro quem também as sinta. Não é questão de compreender, é sentir. Ouvi algumas vezes me dizerem que sou única. E já escrevi também, plagiando inconscientemente não sei quem, que não quero ser único.  E eu digo que pra mau entendedor nem uma vida inteira basta. Não sei se faço parte dos bons ou maus entendedores.
Tenho pensado bastante na palavra “doçura”. Ouvi essa palavra algumas vezes também, ao se referirem aos meus olhos, ou a mim, ou algo relacionado a mim. Caio F. dizia que “há pessoas que são como a cana, mesmo postas na moenda, reduzidas a bagaço, só sabem dar doçura”. Sou uma dessas pessoas? Minha resposta não existe. Talvez não seja doce, mas agridoce. Doces enjoam, ácido corrói. Há abismos sem fundo dentro de mim. Há horizontes sem fim dentro dos meus olhos. E me lanço, nos abismos e aos horizontes. Não é pretensão, mas acho que poucas pessoas chegaram perto de me ver, outras apenas desconfiaram, outras talvez tenham visto e se atraído, em seguida fugido. É… Devo ser assustadora. Poucas chegaram suficientemente perto. Se é que chegaram. Cada um por si, diriam. Ou, Caetaneando, “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”. E só cada um. Que não se abre verdadeiramente para que outro descubra, o descubra. Entre realmente na sua vida, dentro de si, de seu universo. Então temos sete bilhões de pessoas únicas. E sozinhas. Cada um por si… 
Tenho deixado as janelas abertas. Na verdade, sempre as deixei. Queria, antes de partir, que não sei quando será, mas poderá ser a qualquer hora, a herança a quem se com isso se importe, de dizer que o amor realmente existe. Não porque o encontrei, mas porque amei. Mas seria injustiça e ingratidão dizer que não o encontrei, ou que realmente amei. Também fui amada. Seja como for, há algumas perdas irreparáveis no caminho. Pessoas que me fazem tanta, mas tanta falta. Tão importantes. Muitíssimo importantes. Insubstituíveis. Únicas. E como dizia Adriana Falcão, “‘único’ é tudo aquilo que pela possibilidade de virar ‘nenhum’, pede cuidado”. Talvez seja isso… Passei minha vida tentando mostrar a elas isso. Quantas vezes disse: “é preciso tratar como precioso o que é precioso”. E me eram tão preciosas. São. Mas, mesmo que tenham entendido (?) isso, se foram. Mil partidas, como disse… Quis sempre e tanto mostrar a necessidade de urgência em viver, da importância de certas coisas. Do meu jeito torto, do jeito que fui aprendendo, aos trancos e barrancos.
Tenho essa loucura… Sim, loucura. Que outro nome?  As pessoas falam, mas ninguém de verdade quer isso. A maioria sequer move uma palha. Ninguém que queira se aprofundar, se abrir, viver, enfim… E, a qualquer momento, será a minha vez de partir. Não fará diferença, eu sei. Mais um pouco e será como se eu jamais tivesse existido. Ao ir embora, não existirá mais nenhuma prova que alguma vez existi.
Eu existo.

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