sábado, 29 de agosto de 2009


















Eu rego um amor todos os dias. Eu rego a mim mesma. Ritual.
Sou o motivo de minhas madrugadas perdidas. Meus anseios.
Minhas buscas. Minha chegada. Agora é afastar as cortinas e deixar o sol entrar.
Por que sempre chove? Ainda nem me livrei da bagagem. Das fotos. Dos cacarecos.
Do sorriso mofado. Do pedido de socorro. Da ilusão desfeita. Do desencontro.
Ainda bem o desencontro. Pois nasce um novo encontro. Quando? Quem sabe!
A graça é não saber. É esperar como quem descuida de desejar.

"Gosto dos venenos os mais lentos. As bebidas as mais fortes. Dos cafés mais amargos.
E os delírios mais loucos. Você pode até me empurrar de um penhasco que eu vou dizer: e daí, eu adoro voar." Clarice

Eu me multiplico no escuro. Minto a mim mesma dizendo que estou feliz neste lugar. Ninguém é feliz no mesmo lugar.
Viajo em mim para apagar a fúria da mesmice. Mesmice de outros. De olhares. De palavras. De sabores.
Nunca desejei minha morte, mas há algo em mim que precisa morrer.
Essa espera de alguém que talvez não exista. Precisa morrer.
Somente assim poderei parar de esperar e deixar que alguém entre em mim.
Entre rasgado. Farto e faminto. Surrado de também esperar.
Pessoas sempre nos deixam sozinhos. Sem nenhuma palavra. Ponto.
Um gole de vinho e minha sina figura à minha frente. Sou uma estranha a mim mesma.
Morro todos os dias uma morte prematura de desejos guardados em velhas caixas desbotadas.
Juntei minhas mãos e tentei ler suas linhas. Nada falam. Alguém me lê em algum lugar.
Talvez nunca o encontre - mas ele existe. Só preciso parar de esperá-lo.
Talvez a vida seja isso. Uma moldura dourada, um retrato solitário na parede de uma pensão barata.
Uma música sem refrão. Uma árvore curva e de raízes fortes. Um camafeu antigo sem relevo.
Um silêncio no lugar do grito. Uma fome num lugar deserto. Um rastro desfeito em cacos.
Uma janela emperrada. Um vestido surrado em dia de baile. Uma doce palavra de alguém distante.
Esse desencontro é o sabor. É a verdade de se viver. E eu que era tão apaixonada por mim.
Agora me despeço entre luzes de um palco minúsculo. Não. Eu não choro.
Não, porque ainda não me fiz em primavera.
Estou na fila para me devorar.
Devora-te Adriana.

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