segunda-feira, 4 de julho de 2011

PLANTE UM BOSQUE NA ALMA

Marissa Nadler é uma cantora americana que em 2004 produziu o álbum ‘Ballads of living and dying”. Uma das 11 músicas que compõem o CD é em homenagem a Virginia Woolf, uma canção sobre a morte da nossa maior dama da literatura inglesa
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Não era para ser Adriana. Era para ser Virgínia.
No final das contas prevaleceu Adriana.

Quem sou eu?

Sou duas. Sou muitas. Sou ninguém.

Adriana precisa dormir. Cabeça dói. Coração arde. Não fala nada ou fala pouco. Sabe esperar. Sente muito e pede desculpas.

Virgínia arrebenta portas. Quer tudo agora. Num impulso grita a vida. Faz-se de louca. Vomita cacos. Sangra com olhos que invadem. Acredita que só existe uma coisa que vale a pena viver. Só existe uma coisa que vale a pena morrer: o amor.

Adriana come frutas no prato. Não se lambuza. Abaixa os olhos e espera a vez de falar. Sofre com as faltas alheias. Chora por não poder mudar situações. Rasga cartas e desliga o telefone.

Virgínia inunda a alma e se lambuza de felicidade. Encara e afunda suas palavras em ondas atordoadas. Não sofre. Não pula etapas. Não se esconde em falsas ideias ou falsas palavras. Solta gargalhadas quando sente cheiro de mentira. Sorve. Busca. Enfrenta. Luta.

Adriana fecha os olhos em silencioso desespero. Espera o que talvez nunca venha. Procura encontrar o que há de melhor nos outros - acredita nisto. Vivencia. Ameniza. Socorre.

Virgínia provoca. Diverte-se. Não acredita em destino ou fatalidade - risca seu próprio caminho. Não aceita o que não pode ser aceitável. Não desiste. Não se deixa enganar. Observa. Sua consciência e seu coração foram despertados. Não há volta.

Passei a vida acreditando que devemos plantar um bosque na alma. Aprendi a andar de bicicleta num bosque perto de casa quando era pequena. Sensação de liberdade e de possibilidade. Mas, quando cresci, descobri que Adriana e Virgínia são apenas uma pessoa. Uma é mais feliz que a outra. Uma é mais crédula do que a outra. Uma é mais satisfeita do que a outra. Apenas uma delas conseguiu plantar seu próprio bosque na alma.  A outra, anda perdida - triste e ressentida com o que a vida nega e termina. Mas Virgínia nunca permitirá que o bosque morra. Sua alma é livre, seu desejo infinito e o amor que corre em suas veias traduz o infinito amor de Deus em seus dias.

O que seria de mim sem você, Virgínia?
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...Como invejo Virginia: não admira que ela consiga escrever. Há sempre no que ela escreve uma liberdade, uma tranquilidade, como se estivesse em paz – um teto sobre a cabeça, suas coisas em volta, seu homem ao alcance da voz.

Diário de Katherine Mansfield – 30 de novembro de 1919. Contos. Cosac Naify. p. 273

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