domingo, 11 de julho de 2010

O caminho do meio.















"Eu não faço nada por obrigação
o que os outros fazem por obrigação
eu faço por impulso de vida
[como haveria de fazer por obrigação
os gestos do coração?]

Whalt Whitman

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Sempre achei que só se sente sozinho quem não gosta da própria companhia.
Não gosta ou simplesmente não sabe do que gosta e por isso não pode partilhar consigo mesmo a alegria de rir de velhas histórias e a loucura de delirar diálogos que nunca existiram.
Outra teoria destruída.
Seria tão melhor compartilhar com você a alegria de rir de velhas histórias...a loucura de delirar diálogos que de fato existiram.
Você me apresentou um novo EU. Antes, era simplesmente E.T.
Agora, que pliê, eu me rebatizo "gauche".
Desde pequena ouço os mais velhos dizendo " siga o caminho correto", "o caminho do bem", "o da direita" "o do meio", e por aí vai...
Sempre que tento andar por estes caminhos acabo me perdendo no meio do caminho.
Me perco porque acho que estou no caminho errado e saio em busca de atalhos, sem saber que, certas fomes, certos dramas, certos enredos, certas tramas não têm saída: é matar ou morrer e depois, renascer.
Não, não sou extremista. A vida, às vezes, é que me parece pedir atitudes extremas. Não há escolhas sem perdas, caminhos sem pedras, e como diria Nietzsche não há ressurreições sem sepulturas.
Querer andar no caminho do meio sem ser uma águia. Se não tenho olhos de águia para contemplar o outro lado da montanha , por que deveria forçar meus olhos de menina na amplidão? Se não tenho olhos de coruja por que deveria forjar uma sabedoria que ainda não alcancei?
Simplesmente por que é mais bonito? Mais sensato? Mais equilibrado? Mais sábio? Mais maduro? Simplesmente por que é o que esperam de nós?
Não saber andar no caminho do meio não me gera vergonha. Pelo contrário, eu teria vergonha de engrossar a fila da mesmice.
E se eu quiser achar que o caminho do meio é o caminho da mediocridade? Da mornice? Do tédio? Da acomodação?
Por que a virtude está no meio? Quem inventou esta fábula?
Não seria esta fábula um mero sistema de controle? Onde se pretende amordaçar, aprisionar, aquietar e amansar almas que não se contentam com a superficialidade do mundo e das pessoas rasas?
Picasso, Van Gogh, Baudelaire, Sartre, Beauvoir, Drummond, Beethoven, Lispector, Pessoa, Bukowski, Dylan, Maiakovski teriam feito suas grandes obras se estivessem no caminho do meio? Ou as fizeram exatamente porque estavam em busca dele ou à margem dele?
O que me aflige é essa história de que devo andar neste tal de caminho do meio e me queima essa sensação de inadequação quando percebo que meus passos são largos demais para caberem nesse pliê.
Imagino um caminho longo, cheio de pontes e paisagens. E se eu fosse obrigada a fechar os olhos? Não quero fechar os olhos. Eles estão abertos, foram eles que te viram, que te reencontraram.
Talvez eu tenha de fazer esta viagem sozinha, sem você...esta seria a escolha do caminho do meio. Eu nunca escolhi o caminho do meio. Nunca cerrei meus olhos e nunca deixei que o fizessem por mim.
Essa é a primeira vez que a escolha do caminho não depende de mim.
Eu rezo para que você não feche os olhos e que continue a viagem junto comigo.

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"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas,
que já tem a forma do nosso corpo,
e esquecer os nossos caminhos,
que nos levam sempre aos mesmos lugares.
É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la,
teremos ficado, para sempre,
à margem de nós mesmos".

Fernando Pessoa

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